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Vicente Alencar

quarta-feira, 20 de abril de 2022

A NOVA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NOS TRIBUNAIS.

 A NOVA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NOS TRIBUNAIS.

Paulo Quezado. Beatriz Lima.

Com o advento da Lei nº 14.230/21, houve uma verdadeira transformação na forma de punir pela improbidade, em especial em relação aos dispositivos que fixam a natureza da ação, a aplicação dos princípios do direito administrativo sancionador e as diversas mudanças de cunho material. Nesse contexto, instaurou-se duas situações jurídicas principais, quanto à aplicação temporal da nova lei:

1. Processos ajuizados antes da sua entrada em vigor, ou seja, processos ainda em trâmite; e

2. Processos já finalizados, com trânsito em julgado.

Tal diferença é relevante especialmente quando se nota a ainda tênue, porém presente, tendência jurisprudencial, dispondo sobre a retroatividade ou não dos dispositivos da Lei nº 14.230/21.

Quanto à primeira situação, ou seja, processos ajuizados antes da entrada em vigor da lei, percebe-se que os julgados têm sido uníssonos em considerar a retroatividade dos seguintes dispositivos1

(1) no dispositivo que :

suprimiu a modalidade culposa e no que imputava como ato de improbidade o benefício direto ou indireto dessa prática

(2) nas disposições que – algo semelhante a “abolitio criminis”;

reforçam o necessário caráter doloso dos atos ímprobos, ou seja, meras irregularidades não são mais consideradas como improbidade, bem como a disposição segundo a qual atos decorrentes de divergência interpretativa da lei

(3) as disposições referentes à não são considerados ímprobos, e, portanto, nenhum desses são puníveis segundo esse sistema; e

indisponibilidade de bens

Em se tratando de processos em curso que versem sobre atos que não são mais puníveis, são mais facilmente julgados, até porque essas ações perdem o objeto. Não é lógico que dois indivíduos sejam processados, no âmbito do direito público, pelo mesmo ato e apenas por uma questão temporal, um seja punido e o outro não. Ademais, quanto à medida cautelar de indisponibilidade de bens, pela sua própria natureza, não afronta a questão principal versada no processo, que é a punição do agente ímprobo, portanto, a retroatividade mais benéfica é mais facilmente reconhecida. .

1 TJSP (Apelação nº 1000554-80.2019.8.26.0638; Apelação nº 1001594-31.2019.8.26.0369; Ag. de Instrumento nº 2272620-60.2021.8.26.0000); TRF-5 (Apelação nº 08028712320144058400; e Apelação nº 08060042520184058403); TJCE (0006914-95.2018.8.06.0167).

Tal entendimento acorda com a atual posição do Superior Tribunal de Justiça, quando decidiu sobre a retroatividade das leis do âmbito administrativo que sejam mais benéficas, embora ainda não especificamente sobre a nova lei de improbidade (RMS 37.031/SP e RESP 1402893/MG).

Com relação às demais disposições, como aquelas que versam sobre a prescrição, ainda há grande discussão. Merece destaque, porém, que os tribunais que estão analisando a questão da prescrição a tem reconhecido2

Importante salientar que o reconhecimento da repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal envolve, em especial: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo doloso para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente, implica a respectiva suspensão dos processos em curso, até que seja julgado o mérito pela Corte. , inclusive na modalidade intercorrente, inovação legal, com a ressalva da pena de ressarcimento ao erário, tida como imprescritível na maior parte dos casos. Aliás, com o reconhecimento da repercussão geral do assunto pelo Supremo Tribunal Federal, até o julgamento do mérito, não haverá mais decisões.

Merece destaque, outrossim, já existirem precedentes em que os julgadores optaram também pela não continuidade de Ações de Improbidade em curso em razão do trancamento da ação penal confirmada em segundo grau, dispositivo trazido também pela nova Lei, o que demonstra a inclinação dos Tribunais em declarar a retroatividade no que atine à atribuição do caráter sancionador a ela. Vejamos que esse caso foi contraditório à regra do Código Civil, em seu art. 935, segundo a qual “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”, tudo por conta da aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (art. 1º, §4º) e pela natureza da Lei, que foi expressamente reconhecida como sancionatória e “não cível” (art. 17-D).

Em relação aos processos já finalizados, sob os quais já recaiu a coisa julgada, ainda há grande discussão. Ainda não há precedentes firmados, mas apenas decisões pontuais, em primeiro grau, ainda isoladas sobre o tema. É o caso do Processo nº 0000080-78.2002.8.15.0881, da Vara Única de São Bento/PB, reconhecendo a prescrição intercorrente em processo já transitado em julgado, mas deixando de reconhecê-la especificamente quanto à pena de ressarcimento ao erário, com base no entendimento do STF (anterior à lei, diga-se), em regime de repercussão geral (Tese

2 TRF 5ª R.; APL-RN 08000946920174058203; Segunda Turma; Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima; Julg. 14/12/2021;

TRF 3ª R.; ApCiv-SP 5000547-79.2018.4.03.6118; Terceira Turma; Rel. Des. Fed. Luis Carlos Hiroki Muta; Julg. 17/12/2021;

TJGO; AC 0175294-47.2016.8.09.0174; Senador Canedo; Primeira Câmara Cível; Rel. Juiz Subst. Átila Naves Amaral; Julg. 01/02/2022; DJEGO 03/02/2022; Pág. 397.

897/STF), segundo o qual é imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário na improbidade.

Quanto à indisponibilidade de bens, medida cautelar de caráter processual, as mudanças foram expressivas. Para haver o bloqueio, por se tratar de uma cautelar, há que analisar os requisitos das cautelares: fumus boni juris (os indícios quanto à autoria e materialidade), e o periculum in mora (perigo de dilapidação do patrimônio público). Quanto à este, a doutrina considerava ser presumido - e parte ainda considera dessa forma -, pois vigeria o princípio do in dubio pro societate. Outra parte da doutrina, como é exemplo José Miguel Medina, considera que tal entendimento é incompatível com o novo sistema de responsabilização por improbidade.

Por mais que se entenda pela compatibilidade da presunção do periculum in mora, ela não supre, sozinha, o dever de fundamentação das decisões. A decisão deve ter fundamentos concretos e deve ser necessária para assegurar o resultado útil do processo ou perigo de dano irreparável, não podendo ser decretada com a finalidade de antecipar penalidades. Deve, ainda, ser decretada após a oitiva do réu, salvo se “o contraditório prévio puder comprovadamente frustrar a efetividade da medida ou houver outras circunstâncias que recomendem a proteção liminar” (redação do art. 16 da Lei). Aliás, o bloqueio não pode ultrapassar o valor indicado na petição inicial como o valor do dano ao erário ou enriquecimento ilícito.

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Retroatividade in mellius da prescrição intercorrente na Lei de Improbidade. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-dez-02/controversias-juridicas-retroatividade-in-mellius-prescricao-intercorrente-lei-improbidade>. Acesso em: 13 de março de 2022.

DEZAN, Sandro Lúcio. Fundamentos do direito administrativo disciplinar. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2021, p. 90-91.

MEDINA, José Miguel Garcia. A nova Lei de Improbidade Administrativa deve ser aplicada retroativamente?. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-nov-03/processo-lei-improbidade-aplicada-retroativamente>. Acesso em: 03 de março de 2022.

OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública: corrupção: ineficiência. 4. ed. ver. e atual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

HUNGRIA, Nelson. Ilícito administrativo e ilícito penal. Revista de Direito Administrativo, [S. l.] , v. 1, n. 1, p. 24–31, 1945. DOI: 10.12660/rda.v1.1945.8302. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/8302>. Acesso em: 1 de abril de 2022

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