Histórias de Ronald Brito
Batista
de Lima
O livro A seleção oportuna me
foi enviado por João Xavier de Holanda, mas seu autor é J. Ronald Brito. Autor
e remetente são coronéis da Polícia Militar do Ceará. O J. Ronald, hoje na
reserva, já publicou mais de uma dezena de livros, versando, a maioria, sobre
narrativas de seu tempo de serviço em variadas delegacias cearenses. Acontece
que suas origens caririenses, especialmente entre Crato e Juazeiro, fazem com
que essas duas cidades sejam cenários da maioria de seus contos e de suas
crônicas.
O livro da Nova Geração Gráfica e Editora, de 2021, traz histórias
memoriais que prendem o leitor por conta muitas vezes do humor e outras, pelas
reminiscências caririenses. É tanto que logo na primeira narrativa, "Manhã
de touro", o leitor já é conquistado pela desventura do toureiro Ramon Del
Carlos, o "Monolo", que se mete a desafiar um touro valente, numa
tourada nas ruas do Crato. Foi a primeira e única tourada acontecida na cidade,
e vencida pelos chifres afiados do guzerá valente, botando o "Monolo"
para correr ferido, para nunca mais voltar.
Nessa mesma direção humorística entra a história "O pau de
sebo", instalado na Praça da Sé, em um tempo em que aquele logradouro era
atapetado de capim de burro e "ostentava também suas duas touceiras de
taboca". Vem em seguida o carnaval cratense das antigas em que se consumia
lança-perfume das marcas "Rodouro" e "Colombina". Para
melhor brilho das festas, o antigo Clube da Rapadura, próximo à Praça Siqueira
Campos, deu lugar ao Crato Tênis Clube, com grande baile de inauguração no dia
17 de julho de 1950, quando a orquestra tocou a primeira música,
"Siboney". Com o tempo os meninos da vizinhança eram apanhadores de
bolas de tênis que passavam o muro.
Ao tratar do surgimento das primeiras casas do bairro Pimenta, o autor
homenageia o bancário, gerente do Banco do Brasil, Tomé dos Santos Cabral.
Folclorista e escritor pesquisador, "seu" Tomé, como era chamado,
construiu o primeiro casarão do novo bairro. Os cratenses abastados passaram a
construir suas casas no Pimenta: Pedro Praeira, Alexandre Belchior, Pedro
Teles, Vicente Bezerra, Osvaldo Onor, e outros mais. Outros nomes importantes
da cidade são citados e seus pontos turísticos reais e míticos como a
"Pedra da Batateira". Nesse itinerário ele chega à crônica "A
cruz de Belchior", contando a trágica história do valente iguatuense morto
entre Crato e Juazeiro.
A crônica "A curva da morte" relata episódios da construção da
estrada que liga Juazeiro a Caririaçu. Um deles é a "curva da morte"
em que inúmeros acidentes ali ocorreram. Esse texto me trouxe à memória
episódio provocado pelo famoso motorista de caminhão chamado de Zé Mandinga que
certa feita, em vez de fazer a curva, desceu com o carro pelos matos cortando o
ângulo de 90º formado pela estrada. Essas histórias vão acontecendo entre Crato
e Juazeiro em que o autor passou a infância. Daí que em 1948, em um sábado, o
autor vai pela primeira vez ao circo em que deslumbrou-se com o palhaço Alegria.
J. Ronald Brito nesse périplo entre Crato e Juazeiro disseca sobre o Bar
Iracema na terra de Meu Padim, e que não tinha nada de religiosidade diante das
"mulheres da vida" que o frequentavam. Também fala no sistema
elétrico de Paulo Afonso chegado ao Ceará em 1961, exatamente pelo Cariri, com
a criação da Companhia de Eletrificação do Ceará (CELCA). O autor defende a
ideia também de que o futebol de salão entrou no Ceará, pelo Cariri, através do
Dr. Nei (Francisco Augusto Tavares) que depois de formado em Recife,
estabeleceu-se em Juazeiro, chegando com alguns companheiros a fundar o Club
Atlético Juazeirense. Em 1955 aconteceria o primeiro campeonato de Futebol de
Salão da cidade.
Alguns perfis também são postos para deleite do leitor. São personagens
marcantes para a cidade de Juazeiro como Monsenhor Juviniano Barreto e Renato
Casimiro, uma das mais privilegiadas inteligências do Cariri. Entretanto, vez
por outra, pontificam personagens hilariantes como é o caso de Joaquim Gomes de
Menezes, o príncipe Ribamar da Beira Fresca, com seus trajes heráldicos das
dinastias do velho mundo. Imitava alguns trajes que apareciam no filme "A
Valsa do Imperador", exibido no cine Eldorado que juntamente com o Avenida
e o Roulien, mais sofisticado, formavam o trio de salas exibidoras da terra do
Padre Cícero.
Personagens de destaque que militaram entra Crato e Juazeiro vão aparecendo
nas narrativas e nos conduzindo a um Cariri das antigas. É o caso de José
Geraldo da Cruz, proprietário do Sítio Urussui e um bom contador de causos.
Nesse rol pode-se colocar o cabo Rolim, da Polícia Militar do Ceará, lotado em
Juazeiro do Norte, que nas horas vagas lia a mão dos companheiros e acertava
nas previsões. Ainda aparecem Natanael Cortez, Péricles de Sá Roriz e Chico
Romão, de Serrita. Quando trata dos americanos que ocuparam a base "PICI
FIELD", em Fortaleza, ele fala que era de cortar coração ver aqueles
jovens aviadores encharcados de "whisky" que embarcavam na direção de
Dakar, na África, sem saber se voltariam vivos.
J. Ronald Brito foi Chefe da Casa Militar do governo do Cel. Adauto
Bezerra e depois, do sucessor Valdemar de Alcântara. Daí que muitas de suas
histórias palacianas vão aparecendo no livro sempre marcadas pelo inusitado e
apimentadas com refinado humor. Há, no entanto, situações pungentes como os
contatos do autor com o padre José Palhano Saboia nos últimos dias antes do
falecimento, quando teve sua última alegria da vida que foi a correspondência
da Santa Sé, recebendo o perdão da Igreja, bem como a recuperação de seus
direitos eclesiásticos perdidos por desavenças com o sinedrim sobralense.
Essas histórias memoriais dão espaço também ao episódio dos et's de
Quixadá, passam de raspão pelo Caldeirão e pelo Geoparque e vão chegando ao fim
do livro, deixando o leitor querendo mais narrativas. Por isso que vale a pena
a leitura desse livro como forma de visitar o Cariri mesmo dele estando longe.
Essa é uma das vantagens de ser bom narrador. É alçar o leitor de suas
dimensões particulares e fazê-lo deslocar-se por cenários que um dia percorreu,
ou que imagina que percorreu. Esse milagre é conseguido por J. Ronald Brito na
sua oportuna seleção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário