A LEI DA SELVA
A invasão da Ucrânia nos faz lembrar que
as relações internacionais se regem pela lei da selva. Predadores atacam suas
presas livremente. O lobo se queixa que o cordeiro está sujando a água do
córrego a jusante do devorador, na fábula de Jean de La Fontaine (1621 – 1695).
A Rússia alega que a Ucrânia é fantoche dos EUA, a OTAN avançou para o leste e
a presença da aliança ocidental junto às suas fronteiras é uma grave ameaça. Há
até quem diga que a invasão atual é uma profecia que se autorrealiza, porque os
EUA anunciaram repetidas vezes o ataque russo à Ucrânia.
A invasão começou em 2014 na Crimeia.
Não havia presidente americano avisando que o ataque era iminente. Outras
regiões do leste da Ucrânia foram invadidas por tropas que se apresentavam como
moradores locais, de etnia russa, com objetivo separatista. Quando a Ucrânia
tentou reintegrar os territórios ocupados em nome do separatismo a Rússia
interveio com ameaças. A Ucrânia, nos anos noventa, entregou o seu grande arsenal
nuclear à Rússia sob promessa de que teria a integridade do seu território
respeitada. EUA e Reino Unido se colocaram como garantes da promessa russa. A
Rússia descumpriu a promessa e os garantes não garantiram nada.
A alegação de que a OTAN “avançou para o
leste” ameaçando suas fronteiras é semelhante ao discurso da fábula citada. Os
países do leste europeu, ouvindo o discurso de Putin segundo o qual o fim da
URSS foi o maior desastre de todos os tempos para a Rússia, buscaram a proteção
Aliança do Atlântico Norte. Agora o líder russo confirma os temores dizendo que
os povos com laços históricos com a Rússia e sem tradição de independência não
existem legitimamente como nação soberana, referindo-se à Ucrânia com um
discurso que se aplica a Belarus (que já se rendeu), Moldávia, Geórgia e repúblicas
bálticas. Até a Finlândia e a Suécia foram ameaçadas e proibidas de entrar para
a OTAN, tendo suas soberanias limitadas.
A Rússia preparou a guerra. Estocou
alimentos, fez aliança com a China, sacrificou o crescimento econômico para
estocar reservas de divisas e de ouro e modernizou o seu arsenal nuclear, colocou-se
à frente dos EUA em mísseis de cruzeiro hipersônico, mísseis balísticos
manobráveis, drones nucleares aquáticos, mantendo a tradicional superioridade
em armas convencionais como tanques, aviões e artilharia. Acusa o ocidente de provocar
corrida militar, mas foram os primeiros, desde os tempos da URSS, a produzir
tanques com blindagem composta, com recarga automática do canhão e com
blindagem reativa, iniciaram a corrida militar no espaço e mantiveram a
superioridade numérica.
Dizem que a corrida militar é do
interesse do capitalismo. Mas as democracias têm nos bens de uso civil uma
parcela muito maior da economia do que tinha a URSS e hoje tem a Rússia.
Produzir bens civis é mais lucrativo. Armas são encomendadas e desenvolvidas a
elevados custos, depois os cortes orçamentários deixam o fabricante a ver
navios. A EMBRAER desenvolveu o KC-390 tendo a promessa de compra de vinte e
oito dessas aeronaves pela FAB. Vieram os cortes orçamentários e a encomenda
foi reduzida para vinte e dois aviões, podendo sofrer novos cortes. A ENGESA
faliu por desenvolver modelos de blindados que o Brasil não comprou, como o
tanque Osório, o caça tanques Sucuri, o blindado leve Jararaca. A compra de
armas tem especificações técnicas muito rigorosas. Consumidores civis não são
tão exigentes. O resultado é que as democracias estão sempre despreparadas.
Fortaleza, 24/2/22.
Rui Martinho Rodrigues.
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