A LIÇÃO DOS TALIBÃS
Cem mil talibãs venceram trezentos um
exército de trezentos mil que tinha armamento superior. Não foi por apoio
popular. A vitória deles causou pavor. Os vencedores sobreviveram por vinte
anos desafiando os EUA e a OTAN. Já haviam combatido por nove anos, e derrotado,
os soviéticos. Em ambas as ocasiões os vencidos eram mais fortes.
A
combatividade dos afegãos é histórica. Sim, mas não é só isso. Não são
guerreiros geneticamente superiores. O Afeganistão é constituído por grupos
étnicos. A maioria é de pashtuns (40%); mas existem tajiques (33%); hazaras (de
10 a 15%) e usbeques (11%), com línguas diferentes e tendo afinidade cultural
com países vizinhos de relações difíceis entre si. A convivência entre as
etnias não é fácil. A sociedade é tribal, o que enseja conflitos dentro das
etnias. Existe a rivalidade confessional entre xiitas e sunitas. O conjunto é
difícil de coordenar.
O terreno montanhoso facilita a
resistência. Altitudes elevadas restringem o desempenho de helicópteros, importantes
instrumentos de guerra. A dificuldade logística local e a distância colaboram
com a resistência. Mas Gengis Khan, sem dispor dos meios da guerra moderna,
ocupou o país e o governou durante o séc. XIII. Alexandre, o Grande, invadiu o Afeganistão
e fundou duas cidades que até hoje estão lá. O “cemitério dos impérios” não é
inexpugnável. Mongóis e gregos não foram derrotados. Retiraram-se não só em
razão da resistência local. Árabes dominaram o Afeganistão por tempo suficiente
para impor a religião.
Os soviéticos não foram militarmente vencidos.
Saíram porque o regime estava sendo derrotado em casa pela corrupção e a ineficiência
econômica do planejamento centralizado. Também a falta de preços livres
desorientou a economia soviética (F. Hayek, 1899 – 1992). Os EUA estão
divididos. A visão segundo a qual a prosperidade americana resulta da exploração
de terceiros países e dos EUA como uma sociedade injusta está muito forte nos
EUA, apesar do padrão de vida dos americanos ser bastante elevado; o nível de
emprego quase sempre ser bom; as liberdades e as minorias serem protegidas. Os
problemas existentes não chegam a desestimular a imigração. Os imigrantes já
instalados trazem parentes e convidam amigos.
Carl Clausewitz (1778 – 1831) entendia a
guerra como a continuação da política por outros meios. A decisão de solucionar
impasses na gestão da coisa pública usando a argumentação racional semeou a
democracia na Grécia (Olivier Nay, 1968 – viva, “História das ideias políticas”).
A força era a regra até então. Logo, a política foi a continuidade da guerra
por outros meios, o inverso do pensamento de Clausewitz.
Vernon Walters (1917 – 2002) disse que o
Vietnã foi uma derrota imposta pela TV americana, mostrando crianças mutiladas na
hora do almoço; a maconha dos soldados; a volta dos militares feridos pela
segunda vez; o prazo de um ano para trazê-los de volta. Certos alvos só podiam
ser bombardeados com autorização da Casa Branca, mas já não era oportuno atacá-los
quando a autorização chegava. Decisões políticas, guerra por outros meios.
Arnold Toynbee (1889 –
1975) ressaltou os problemas internos na queda dos impérios. A guerra
continuada por outros meios (política) é principalmente interna. Antonio Gramsci
(1891 – 1937) falou das lutas políticas como guerra. Usou as metáforas guerra
de movimento (assalto ao poder); e guerra de trincheiras (conquista cultural
gradual). Guerra por outros meios, nas democracias, é política suicida. Por
isso perde para inimigos mal armados e impopulares.
Fortaleza, 19/8/21.
Rui Martinho Rodrigues.
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