UM MOMENTO PECULIAR
As transformações históricas se fazem em
ritmos diferentes. Fernand Braudel (1902 – 1985) menciona três tempos da ação
humana, com duração curta, longa e intermediária. Mudanças rápidas ocorrem
sempre. Incidem, de modo geral, sobre os fatos e atos valorados como de menor
importância, aos quais William Graham Summer (1840 – 1910) nomeou como
folkways, inversamente do mores, que estão situados no topo da hierarquia dos
valores, ainda na classificação do autor citado. Estes geralmente sofrem
lentamente o desgaste causado por Cronos, na forma da longa duração.
O momento atual caracteriza-se pelas
transformações dos mores em ritmo de curta duração. A mudança de folkways,
incidindo sobre a moda do corte de cabelo ou das cores das roupas geralmente
não causa grandes impactos. A instabilidade dos mores, porém, pode provocar
turbulência, como pode ser consequência de desordens ou perturbações. A
integração de culturas de civilizações diferentes, na aldeia global de Herbert
Marshall Mcluhan (1911 – 1980), favorecidas pelos enormes fluxos migratórios e
pelas comunicações globais e instantâneas que as novas tecnologias ensejam,
contribuíram para as mudanças culturais.
O cosmopolitismo anda junto com o
multiculturalismo, que tende a ser interativista, nada obstante o esforço do
ativismo político, que estimula o multiculturalismo diferencialista, com forte
tendência para exacerbar conflitos. Tudo isso potencializou o choque de
civilizações ressaltado por Samuel Phillips Huntington (1927 – 2008). A
instabilidade das referências culturais comprometeu a legitimidade dos papeis
sociais impactando nas relações sociais, produzindo instabilidade normativa e
valorativa. O Direito reúne fato valor e norma, segundo palavras de Miguel Reale
(1910 – 2006). A instabilidade dos mores abala a legitimidade da normatividade
jurídica e dos costumes. Gera desorientação.
A pretexto da superação da norma escrita
pela mudança cultural, que enseja a chamada mutação constitucional, que consiste
em uma alteração do sentido do texto maior sem modificar a sua literalidade.
Temos ainda a interpretação conforme a constituição, que permite que o STF
modifique o sentido das normas para torna-las compatíveis com a Carta Política.
O campo das decisões judiciais se alarga. É fácil alegar a singularidade dos
casos concretos em face da norma abstrata, dando lugar o procedimento
denominado concreção, que é a passagem da abstração ao fato objetivo. A Carta
Política é principiológica, analítica e programática, condição que permite
inúmeras hipóteses de incidência, que juntamente com os demais aspectos
aludidos fizeram do STF uma constituinte permanente, embora sem
representatividade. A soberania popular foi substituída pela soberania da mais
alta corte de justiça.
O protagonismo das
massas, tornado possível pelas novas tecnologias, reivindica a devolução da
soberania ao povo. A decadência dos partidos e o descrédito do Legislativo se
somam a indefinição da separação das funções dos três poderes.
As lideranças do tipo tradicional e as do tipo racional legal, na classificação
Maximilian Karl Emil Weber (1864 – 1920), estão desacreditadas. Líderes
carismáticos são raros. Juntaram-se as crises sanitária, econômica e política,
além da velha crise moral. A ser verdadeira a parêmia segundo a qual a visão do
patíbulo clarifica a mente, deve estar próxima a superação do conjunto de
impasses da conjuntura descrita, admitindo-se que crise seja impasses e
oportunidades.
Fortaleza, 15/5/21.
Rui Martinho Rodrigues.
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