UM PODER ABSOLUTO
Um dia Teori Albino Zavaski (1948 –
2017) decretou o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados. Disse, sem
constrangimento, que exercia um direito extraordinário, categoria jurídica
desconhecida. O atingido era Eduardo Cunha, a figura execrada. Ninguém se
incomodou com o direito extraordinário.
Gilmar Mendes julgou matéria de interesse
de afilhado de casamento; Dias Toffoli já havia julgado correligionários do PT,
amigos íntimos, no mensalão. Gilmar usou palavras chulas para referir-se aos
procuradores de Curitiba. Luís Roberto Barroso usou palavras duríssimas contra
Gilmar, inadequadas à liturgia do STF. Gilmar acusou o presidente da República
de genocida e incluiu o exército nesta categoria de crime. Estas coisas não
afetam diretamente os cidadãos, que por isso não se incomodam.
É importante conter a agressividade
atual e o exemplo deveria vir do STF. A exacerbação dos ânimos, com agressões
físicas ou verbais, nos aeroportos, restaurantes, nas ruas e nas redes sociais
são intoleráveis. Ataques a pessoas públicas são injustificáveis. Acusações
(diferente de ataques), porém, fazem parte do processo democrático, devendo ser
toleradas quando protegidas pela exceção da verdade, excludente de ilicitude
quando o acusador diz a verdade. Criticar é dever cívico. Parlamentares têm
imunidade processual e prisional destinadas a protegê-los no exercício desta
obrigação. Jornalistas podem acusar sem precisar revelar a fonte da informação.
Cidadãos têm liberdade de expressão, ressalvado o anonimato.
A interpretação hiperbólica do garantismo
penal, pelo STF, tem se caracterizado pela complacência para com acusados de
corrupção até de tráfico de drogas. Ataques a pessoas públicas, até desejando a
morte em um caso, não tiveram consequência. O STF não se importa, dependendo de
quem seja a pessoa ofendida. Mas críticas e ataques, alguns deles chulos,
dirigidos aos integrantes do Pretório Excelso, são interpretados como ataque ao
Poder Judiciário. Tomam a crítica ou ataque a pessoa de ministros como ataque à
instituição. Equivale a confundir a crítica ou ataque ao piloto como
direcionado ao avião, à engenharia aeronáutica. Quem assim raciocina está
enganado ou está enganando.
Alegando defesa das instituições o STF
instaurou inquérito colocando-se como vítima e ao mesmo como acusador, investigador
e juiz. Violou a separação das funções do Poder, usurpou a função legislativa.
Violou a competência do Executivo, interferindo na nomeação para cargos
confiança, desrespeitando a discricionariedade do ato. Não atingem diretamente
os brasileiros que têm voz, que não se incomodam.
Lembremos de Martin Niemöller
(1892 – 1984), que diz: “um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu
outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, (...). No terceiro
dia levaram meu vizinho católico (...). No quarto dia vieram e me levaram e já
não havia ninguém para reclamar”.
O STF tornou-se absoluto, sem os freios
e contrapesos da divisão tradicional das funções do Estado, a ditadura da toga
condenada por Rui Barbosa de Oliveira (1849 – 1923), como “a pior das
ditaduras, porque contra ela não há a quem apelar”. O Estado de Direito foi
destruído. O Legislativo, intimidado pelas investigações e processos contra
muitos dos seus integrantes, não reage. O Executivo, acossado pela imprensa e
pela maioria dos formadores de opinião, teme ser alcançado em alguma
fragilidade.
O garantismo do STF
sugere que só acusados de corrupção são beneficiados pelo garantismo e que os
ministros do STF “são mais iguais”, como na “Revolução dos bichos”, de George Orwell
(1903 – 1950). Estão acima da reserva legal criando crime por analogia;
abandonam o processo acusatório e restabelecem o processo inquisitorial; legislam,
criam o flagrante mediante mandado judicial. Podem tudo, esquecidos que o
corporativismo é mau conselheiro e que o “o poder tende a corromper, e o poder
absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre
homens maus” (John Emerich Edward Dalberg-Acton, barão de Acton, 1834 – 1902).
Fortaleza, 18/2/21.
Rui Martinho Rodrigues.
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