O
HOMEM ABSTRATO
Fórmulas
políticas são concebidas para o homem. A Antropologia Filosófica está presente
nelas, nem sempre de modo explícito. A modernidade, mormente na vertente contratualista,
adotou o pressuposto do estado de natureza, anterior ao contrato social. Nela
as relações sociais seriam a expressão da natureza humana. Thomas Hobbes (1588
– 1679), John Locke (1632 – 1704) e Jean Jacques-Rousseau (1712 – 1778)
formularam diferentes concepções políticas considerando tal concepção.
Peculiaridades culturais, geográficas, econômicas, confessionais, políticas ou
de outra ordem foram olvidadas por eles.
Joseph-Marie
De Maistre (1753 – 1821), em suas “Considerações sobre a França”, criticou o
que lhe pareceu excesso de abstração dizendo que não há homem no mundo,
afirmando ironicamente ter visto franceses, italianos, russos, etc, acrescentando
ironicamente que graças as “cartas persas” de Montesquieu até soube dos ditos
persas, mas nunca viu o tal homem. Os reis filósofos da república platônica e
os déspotas esclarecidos se presumem dotados de conhecimento superior e
suficientemente confiável para empreender uma engenharia social, colocando-nos
no papel de cobaias, apesar dos sucessivos fracassos de suas experiências.
Elaboram teorias sofisticadas que não passam do que Karl Raymond Popper (1902 –
1994) classificou como logomaquia.
As
constituições analíticas e programáticas, dirigentes ou totais atendem à
inspiração dos intelectuais ironicamente classificados por Thomas Sowell (1930
– vivo) como ungidos. O homem abstrato, criticado por De Maistre, está na base
das concepções universalistas, de democracia e organização social, alheias às
peculiaridades das sociedades. A ampliação do interesse público, a publicização
do direito privado, a exemplo da obra “Direito civil constitucional”, de
Anderson Schreiber e Carlos Nelson Konder restringindo a liberdade negocial. É
fruto da tutela dos ungidos sobre os cidadãos havidos como incapazes.
No
direito privado o que não é expressamente proibido é permitido. No direito
público o que não é expressamente permitido é proibido. Luís Felipe de
Cerqueira e Silva Pondé (1959 – vivo) denunciou repetidamente em seus escritos
a ampliação do interesse público como liberticida. A representatividade, na
forma de governo consentido, exerce uma função moderadora do dirigismo fundado em
elucubrações criativas, mas distanciadas da realidade. Ganha força, todavia, a
ideia de um saber superior, de uma elite intelectual dirigente, que dispensa o
consentimento popular para o exercício do poder político, conforme proposta de
Vladmir Iliych Ulianov (Lênin, 1870 1924), na obra “O que fazer”. Muitos seguem
esta orientação sem relacioná-la com o autor na obra citada.
O ativismo judicial
pretende fazer justiça. Atenta para a singularidade do caso concreto, livre dos
limites da norma escrita, tendo por base princípios tais como a razoabilidade e
a dignidade da pessoa. Não da dignidade peculiar ao caso concreto, mas do homem
abstrato. O vanilóquio das doutrinas que, embora proclamem desprezo pelo
abstracionismo idealista, são eivadas de voluntarismo, titanismo romântico e
abstracionismo dos idealistas. A práxis apregoada não reconhece o erro das
teorias da pauperização e do exército industrial de reserva, bases da
inconformidade com a ordem espontânea descrita por Friedrich August von Hayek
(1899 – 1992). O romantismo e o idealismo de tais cogitações são desnudados por
Isaiah Berlin (1909 – 1997), nas obras “Ideias políticas na era romântica” e
“Limites da utopia” respectivamente.
Fortaleza, 13/2/21.
Rui Martinho Rodrigues.
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