BONAPARTISMO
SEM BONPARTE
Bonapartismo,
na literatura política, é personalismo, prática totalitária, presença castrense
na política e populismo, a exemplo a figura de Napoléon Bonaparte (1769 – 1821)
e seu sobrinho, Charles-Louis Napoléon Bonaparte, Napolão III (1808 – 1873). Os
fatores citados, porém, são anteriores aos Bonaparte. Alexis-Charles-Henri
Clérel, visconde de Tocqueville (1805 – 1850) ressaltou, citando Honoré Gabriel
Riqueti, conde de Mirabeau (1749 – 1791), o fato de que, a despeito das
proclamações libertárias dos jacobinos, a Revolução Francesa concentrou em sua
autoridade todo o poder do regime decaído, antes disperso por muitos nichos do
Estado e da sociedade. A concentração de poder não é coisa só de liderança
personalista com os seus laços familiares. Não foi Napoleão quem concentrou o
poder, mas a revolução, antes de enveredar pelo personalismo. A migração da
concentração de poder de um movimento impessoal para uma liderança personalista
não é um caso isolado.
A
concentração de poder, na Revolução Russa, junto com o personalismo e um certo
militarismo com Ioseb Besarionis Dze Jughashvili (Josef Stalin, 1878 – 1953), só
não teve, entre os fatores do bonapartismo, os laços familiares. A Revolução
Cubana e os irmãos Castro; a Coreia do Norte e a dinastia Kim; a Revolução
Chinesa e Mao Tsé-Tung (1893 – 1976) com a madame Mao (Jiang Qing, 1914 – 1991),
continuada com a centralização e as lideranças personalistas; a Iuguslávia e o
Marechal Josip Broz Tito (1892 – 1980) são sugestivas de uma tendência
aparentemente inescapável dos movimentos revolucionários, que têm a prentensão
demiúrgica de proceder a uma reengenharia social e por meio dela criar um novo
homem.
Hebert
Marcuse (1898 – 1979) reconheceu, no fim da vida, que todos as revoluções
falharam e foram traídas. Começar do zero, apagando inteiramente as raízes
culturais, é uma tarefa ingente. Forçar transformações gera resistências que
não podem ser superadas com boas maneiras. Paredão e arquipélago Gulag não são
acidentes, mas essência de um processo que busca fazer com que a sociedade e as
pessoas deixem de ser o que são para serem o que parece certo aos reis
filósofos. A herança iluminista tem grande parte da culpa em tudo isso, diz
Antônio Ferreira Paim (1927 – vivo), que ressalta a influência francesa no
cientificismo político. A adjetivação pejorativa revela a falsidade do
cientificismo, que desqualifica o que resiste ao seu dirigismo como retrocesso.
Pressupõe a existência de um destino determinado pela marcha do progresso. Isso
se verifica no campo material.
Ciência
e técnica progridem. Têm parâmetros bem definidos. Temos progresso técnico
quando uma geladeira consome menos energia; um remédio cura com menos ou sem
efeito colateral. Jacques Le Goff (1924 – 2014) reconhece como óbvio o
progresso da ciência, da técnica, das instituições jurídicas e políticas. Mas
não reconhece o aperfeiçoamento do homem, sem o qual não existe progresso da
história. Uma marcha para o destino grandioso da cidade de Deus, de Agostinho de
Hipona (354 – 430), não resiste a uma análise e, embora seja uma visão adotada
por grande parte dos cristãos, contraria a escatologia bíblica. Não há como
falar em progresso. Retrocesso é uma cavilação para constranger e desacreditar
o outro. Arautos do progresso não citam Agostinho nem o levam a sério, mas
repetem a visão dele. Autoritários, ao contrário dos totalitários, não são
cientificistas, não formam religiões civis, seus erros são mais fáceis de
corrigir e dominam por pouco tempo.
Fortaleza,
3/2/2020.
Rui
Martinho Rodrigues.
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