A VOZ DAS RUAS
O desgaste das instituições está nos
levando por caminhos perigosos. Estamos atribuindo ao fenômeno chamado “voz das
ruas” um poder não previsto no ordenamento jurídico. Manifestações públicas
fazem parte da democracia, como reconhecimento do direito de expressão do
pensamento. Mas quais os seus limites? Não existe direito absoluto, no sentido
de incondicionado ou ilimitado. Além da expressão do pensamento, em nome do
direito de defesa pacífica dos próprios interesses, admitimos o direito de
greve. Seguiu-se a isso a prática dos piquetes impedirem o direito ao trabalho
dos dissidentes do movimento paredista, avançando sobre o direito de terceiros.
Mais tarde vieram as obstruções de vias,
impedindo o trânsito de pessoas alheias aos interesses relacionados com a
manifestação. Seguiram-se greves em serviços públicos, sem embargo do comando
constitucional segundo o qual esses serviços não podem sofrer solução de
continuidade, atingindo até serviços de emergência, como hospitais
especializados nesse mister. Chegamos às invasões de propriedade
eufemisticamente chamadas “ocupações”, passando ao exercício arbitrário das
próprias razões, capitulado como crime no art 345 do CPB, com a conivência de
autoridades. Agora temos agressões contra pessoas nos aeroportos, nos aviões,
restaurantes e ruas; temos atentados, verdadeiros ou forjados, ameaças
dirigidas contra ministros do STF. Obviamente já não estamos no campo da
legitimidade, nem diante de práticas democráticas.
Mas há quem fale em “voz das ruas” como
fonte de legitimidade. Multidões podem representar, proporcionalmente, minorias
insignificantes, arrebanhadas ao modo de mercenários, mediante pagamento,
alimento e até vestimenta, na forma de camisas com dizeres políticos. Nada
disso é representativo. O direito está longe de consagrar a tirania de
manifestantes. Multidões ou grupos de apenas algumas centenas ou dezenas de
manifestantes não podem submeter a sociedade, obstruir vias, depredar, incendiar,
apedrejar policiais para provocar reação e fabricar vítimas. “Movimentos
sociais” e “sociedade civil” aparelhada seguem a mesma trilha dos
manifestantes. Não têm representatividade e ainda que tivessem não poderiam se
colocar acima da lei. Quem não ganha eleição pode arregimentar grupos e formar
organizações domesticadas de representação duvidosa. Não pode, todavia, se
colocar acima da lei. As instituições estão desacreditadas, mas é um erro
buscar o certo pelo caminho errado. A voz das ruas não está acima da lei. O que
está ruim pode ficar pior.
Fortaleza, 31 de março
de 2018.
Rui Martinho Rodrigues.
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