SALVOCONDUTO
PARA O CRIME
O
ex-presidente Lula declarou: “...as pessoas achincalham muito a política, mas a
profissão mais honesta é a do político. Sabe por que? Porque todo ano, por mais
ladrão que ele seja [ladrão pode ser honesto?], ele tem que ir pra rua encarar
o povo e pedir voto [se for eleito a ladroagem está legitimada?]. O concursado
não, se forma na universidade, faz concurso e está com um emprego garantido pro
resto da vida”. Os colchetes são nossos.
A
fala do ex-presidente é uma argumentação, melhor dizendo, uma mistificação
largamente usada na política brasileira. Apresenta a legitimidade originária,
obtida nas urnas, como suficiente para convalidar todo e qualquer procedimento.
Dizia-se, em defesa da presidente Dilma, que ela fora eleita. O argumento não
valia, evidentemente, para os adversários. Ou será que vale? O ex-deputado
Eduardo Cunha apresentou-se ao povo, pediu e obteve votos suficientes para
eleger-se deputado; depois foi votado pelos pares para a presidência da Câmara
dos deputados, enquadrando-se na condição de “profissão mais honesta”, segundo
o Lula.
O
sofisma fica evidente quando desafiado a julgar o adversário com a mesma medida.
É
estranho que um político experiente fale da política como profissão. É mais
estranho ainda que ao cabo de tantos anos de militância ao lado de intelectuais
e cérigos o ex-operário não tenha aprendido que a legitimidade originária não é
salvo-conduto para as práticas delituosas.
A
legitimidade secundária decorre da conduta do eleito no exercício do mandato.
Práticas delituosas afastam a legitimidade originária. Esta não subsiste ao
procedimento correspondente à condição descrita nas declarações do
ex-presidente com a expressão “por mais ladrão que ele seja”.
Seria
uma defesa dos políticos em geral ou uma antecipação da defesa própria?
Defesa
suicida, se apresentada perante o Judiciário. Sofisma destinado a confundir a
militância e iludir o povo? Os ouvidos lenientes da militância recepcionaram
com aprovação o discurso transcrito. O povo, porém, não é tão tolo a ponto de
se deixar embair por argumento tão grosseiro. Leniência poderá haver, por parte
daqueles que adotam o dístico “rouba mas faz política social”, esquecidos de
que as políticas sociais precisam de sustentabilidade financeira e a destruição
do equilíbrio fiscal inviabiliza as ditas políticas.
O
povo e grande parte dos intelectuais têm confundido políticas sociais, que se
caracterizam pela promoção da autonomia dos beneficiários, demonstrada pela
superação da necessidade do benefício, com clientelismo. Este se evidencia
proporcionar dependência do beneficiário em relação ao benefício.
As
duas colunas de um discurso incansavelmente repetido são a legitimidade
originária e as políticas sociais. O primeiro argumento não serve para os
adversários. O segundo depende da promoção de uma inexistente autonomia dos
beneficiários e de uma sustentabilidade financeira destruída pela administração
ruinosa das finanças da nação brasileira.
Fortaleza,
20 de setembro de 2016
Rui
Martinho Rodrigues
Nenhum comentário:
Postar um comentário