A ESQUECIDA SEGURANÇA JURÍDICA
A
segurança jurídica é a base da democracia e de todos os direitos e garantias.
Quando
os plebeus romanos revoltaram-se, entrincheirando-se no monte Aventino, o
senado romano mandou saber o que pretendiam. Queriam leis escritas. Ganharam a
Lei das Doze Tábuas. Nenhuma reivindicação material foi apresentada. Só uma
aspiração de caráter formal.
Entre
as etimologias atribuídas à palavra lei, encontram-se os significados de
escrita, do que é estável e de ordem. O que teria levado ao pedido de leis
escritas? Séculos mais tarde os barões da Inglaterra arrancariam do rei outro
texto escrito, que se passaria para a História como Carta do rei João sem
Terra, concedendo uma série de garantias escritas aos súditos. Mais alguns
séculos e os franceses fariam uma revolução que produziu uma constituição
escrita. As constituições elaboradas em nossos dias são todas escritas e
rígidas, assim consideradas por colocarem obstáculos ao legislador reformador.
O
sentido de tudo isso é a segurança jurídica. Saber quais são as regras, quais
são os direitos e obrigações dos cidadãos. Sem isso não existe segurança
jurídica nem direito algum, quando se desconhece o alcance do poder conferido
aqueles que encarnam o Estado. A limitação do poder das autoridades está na
base da limitação temporal dos mandatos e alicerça a separação das funções do
Poder do Estado. Normas escritas assegurando o devido processo legal, a
inviolabilidade do domicílio, o juiz natural, a irretroatividade da lei in pejus e tantas outras garantias –
sempre escritas – são a expressão do anseio universal por segurança jurídica.
A
democracia é, entre outras coisas, a desconfiança dos governados em face dos
governantes. O texto escrito é uma barreira contra decisões arbitrárias e
imprevisíveis. É para isso que se criaram normas escritas.
O
ministro Lewandowiski patrocinou, juntamente com parte do Senado, uma violação
clara do texto constitucional, rasgando o parágrafo único do artigo 52, que
explicitamente determina a inabilitação por oito anos, para o exercício de
função pública, dos condenados por crime de responsabilidade.
O
STF vem fazendo, há bastante tempo, a chamada interpretação conforme, transformado
em casa legislativa revisora da Constituição, decidindo que onde o texto diz de
um jeito entenda-se de outro, em nome da razoabilidade, dos valores positivados
na constituição e do princípio do livre convencimento fundamentado.
Com
um pouco de imaginação e sem muitos escrúpulos pode-se fundamentar qualquer
coisa. Razoabilidade, justiça e outros princípios invocados são conceitos
indeterminados. Estamos na dependência da obscuridade do entendimento, das paixões
e dos interesses da autoridade, sem nenhuma garantia escrita, pois o que está
escrito de um jeito poderá ser lido de outro.
A
violência aqui citada afastou a constituição em nome de normas
infraconstitucionais. Diante disso discute-se o impeachmente. A segurança jurídica fica esquecida.
Fortaleza,
06 de setembro de 2016
Rui
Martinho Rodrigues
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