Ilustres autoridades da Mesa, a quem saúdo na pessoa de nosso Presidente Sr. Vicente Alencar, Prezados Acadêmicos, Senhoras e Senhores.
Nesta tépida noite de novembro, diante de tão seleta plateia, venho confessar minha profunda emoção deflagrada pela felicidade de assumir a cadeira número 12 desta egrégia Academia. Mas, não é somente por esta noite, por este evento que eu estou emocionada. Minha emoção tem um rastro e foi-se esboçando, gradativamente, à medida que percorri um trajeto de deliciosas lembranças.
Mário Quintana disse:
Essa lembrança que nos vem às vezes...
folha súbita
que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança... mas de onde? de quem?
folha súbita
que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança... mas de onde? de quem?
Essa lembrança, distintos Acadêmicos, é de minha infância, dos sabores pueris vagarosamente degustados nos momentos em que me perdi de amores pela Língua Portuguesa.
Nasci em meio a uma família de educadores. Muito cedo, ouvi de minha avó materna histórias de escola, de meninos, de letras e de livros. O entusiasmo com o qual ela relatava fatos vivenciados por ela na época em que fora professora alfabetizadora na pequenina cidade de Prata, realmente me fascinava. Apoiada com os cotovelos na mesa e as mãos fechadas segurando as bochechas, eu ficava horas a fio imaginando-me em uma sala cheia de alunos.
Minha mãe, também professora, ofereceu-me a oportunidade de crescer em um ambiente letrado. Minha casa tinha muitas estantes repletas de coleções de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Redação. Havia dicionários, dos mais variados, e gramáticas diversas enfileiradas como o teclado de um piano a aguardar o toque dos meus dedos. Tudo ali, ao meu alcance! Era um mundo mágico e sonoro pelo qual eu constantemente adentrava e via as palavras saltarem dos livros e encherem a minha cabeça de ideias e de poesia.
Muito cedo, aprendi a decifrar a canção dos ventos e a ver mais cores no arco-íris. Eu descobri que podia conversar com o mar e escutar o lamento das ondas, e sabia, como ninguém, entender a solidão dos espinhos.
Eu lia muito e era tão aplicada que, rapidamente, tornei-me auxiliar oficial de minha mãe. Eu a ajudava na correção das provas dos alunos, na elaboração de atividades e na análise das redações. Um exercício infinitamente significativo para uma criança de 10 anos de idade. Àquela altura, o meu amor pela Língua Portuguesa e pela docência já estava consolidado.
No momento de decidir por uma profissão, não tive dúvidas, embora as decisões primeiras que tomei tenham-me levado a percorrer um caminho um pouco mais longo, porém, não menos construtivo.
No meu percurso profissional, fui professora de escola pública por doze anos e vivenciei muitos problemas que me fizeram refletir sobre o lugar em que eu estava. Desse modo, achei que eu poderia ser mais útil em outro espaço, com outro público, realizando outros trabalhos. Foi, então, que decidi que poderia voar mais alto buscando contribuir na formação de novos professores. Conquistei uma vaga como professora substituta na Faculdade de Educação da UFC, envolvi-me em grupos de pesquisa, projetos de extensão, fiz Mestrado, Doutorado e hoje sou, orgulhosamente, professora efetiva do Departamento de Teoria e Prática do Ensino, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, onde leciono a disciplina de Ensino da Língua Portuguesa para os estudantes do curso de Pedagogia.
No desenvolvimento do meu trabalho docente, persigo o objetivo de mostrar-lhes como podem oferecer aos alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental o aprendizado da Língua de forma contextualizada e significativa, levando-os ao domínio efetivo e consistente das habilidades de leitura, escrita e oralidade. Procuro ensinar que é necessário e possível criar, no espaço da sala de aula, momentos de interlocução ativa entre os sujeitos, conforme a filosofia freireana, a fim de possibilitar o novo marco epistemológico sobre o ensino da Língua Portuguesa, expresso na citação de Bakhtin (1986),
A verdadeira substância da Língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizado através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui a realidade fundamental da Língua.
Desse modo, trabalho com meus alunos a construção de um pensamento pedagógico diferenciado para as aulas de Língua Portuguesa. O ensino deve ser contextualizado, não fragmentado, e vinculado às situações cotidianas e às formas de língua utilizadas pelos alunos, enfatizando o ler, o escrever, o ouvir e o falar.
Em outra disciplina, nomeada “Leitura e Produção Textual na formação de professores”, procuro desenvolver com os alunos um programa de formação de professores leitores e escritores, pois, de acordo com Magda Soares, “se o professor não utilizar e não tiver prazer no convívio com o material escrito, é muito difícil passar isso para as crianças”.
Ah, quanta emoção enche meu peito neste momento! Pertencer a esta Academina é o clímax maior de todo este percurso. Aqui, conviverei e muito aprenderei com os grandes nomes, os verdadeiros sentinelas, da amada Língua Portuguesa exaltada por Olavo Bilac no trecho: “Amo-te assim, desconhecida e obscura,/ Tuba de alto clangor, lira singela”.
Assim, espero fazer jus à cadeira que ocuparei, cujo patrono é Ernesto Carneiro Ribeiro. Médico e literato brasileiro, ele nasceu em Itaparica, Estado da Bahia. Era filólogo de mérito e educador de amplíssimos conhecimentos. Cuidadoso na correção da linguagem, foi pioneiro no Brasil de uma gramática constituída em função da língua falada, aspecto este bastante pertinente e atualmente defendido por autores contemporâneos como Cagliari, Travaglia, Faraco e Bagno.
Para tão insigne patrono, a Cadeira nº 12 tem como Titular o também insigne Professor José Alves Fernandes, grande mestre e dedicado estudioso da Língua.
Ele nasceu em Aracoiaba, em 1930. Bacharelou-se em Letras Clássicas pela Faculdade Católica de Filosofia do Ceará e em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Também, licenciou-se em Letras Clássicas, Português, Latim e Grego. Seu nome consta do quadro de professores eméritos da Universidade Federal do Ceará. Também, recebeu da Universidade Vale do Acaraú o título de Doutor Honoris Causa. Era membro efetivo da Academia Cearense da Língua Portuguesa, da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, da Academia de Letras e Artes do Nordeste, da Associação Brasileira de Bibliófilos, da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo e da Academia Cearense de Letras. Tem vasta produção científica e técnica na área.
José Alves Fernandes atuou por 50 anos na docência da Educação Básica e do Ensino Superior. Deixou um legado importante de compromisso profissional, seriedade e sensibilidade.
É, pois, como muita honestidade que me comprometo a honrá-lo pela grande pessoa e pelo profissional que foi, e, procurando seguir-lhe os passos, ofereço a esta casa meu bem maior: meus conhecimentos, meu entusiasmo e minha força de trabalho.
Neste instante, gostaria de finalizar minha fala recitando os sábios versos de Clarice Lispector:
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.
Assim, agradeço a todos pela presença nesta noite e pela presença em minha vida. Obrigada aos acadêmicos que me confiaram seu voto; ao Presidente desta Academia, Jornalista Vicente Alencar, que nos recepciona nesta noite tão maravilhosa; aos meus colegas de trabalho da Universidade, com os quais aprendo cotidianamente; aos meus queridos familiares, que me ensinam que viver vale muito a pena; aos meus fiéis amigos e amigas que são o sal, o tempero certo, da minha vida; e aos meus alunos, razão maior de todo o meu trabalho.
Muito obrigada!
Ana Paula de Medeiros Ribeiro
Posse na Academia Cearense de Língua Portuguesa em 22 de novembro de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário