Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

APARELHAMENTO DAS INSTITUIÇÕES

 

APARELHAMENTO DAS INSTITUIÇÕES

1 – Introdução

O estudo do aparelhamento das instituições, particularmente daquelas dedicada ao ensino, em especial as universidades e à comunicação social é o objetivo deste ensaio. O método aqui empregado é o reflexivo, baseado na observação dos fatos e atos dos sujeitos da ação política, social e cultural registrada por diversas fontes. Considerações sobre os antecedentes históricos mediatos e imediatos; o papel dos intelectuais, aqui entendidos, conforme Thomas Sowell[1], como aqueles que integram a intelligentsia; as organizações políticas e sociais envolvidas, que influenciam e são influenciadas pelo aparelhamento umas das outras, são aqui consideradas, em razão do espaço, em análise meramente perfunctória de organizações tais como associações profissionais, sindicatos, associações de bairros que alguns nomeiam como sociedade civil aparelhada.

O modus operandi do ativismo ideológico também integra o objeto das reflexões aqui expostas, juntamente com os efeitos do aparelhamento sobre a qualidade do ensino e os conflitos no interior das instituições e da sociedade, levando ao clima de conflagração até nas famílias. O aparelhamento das universidades guarda relação, ainda, com o intercâmbio internacional entre os meios intelectuais, com destaque para as universidades, e os seus pares europeus e norte-americanos.

Temos uma presença conservadora expressiva na sociedade brasileira. Também existem liberais entre nós. Mas todos os meios tradicionais de comunicação se identificam apenas com as tendências havidas como “progressistas”. A diversidade se circunscrevia apenas às múltiplas tendências que se abrigam sob o citado rótulo. Editoras, jornais, revistas, emissoras de televisão e de rádio, produção teatral e cinematográfica se inclinam, até hoje, apesar de uma pequena mudança na situação, quase homogeneamente na mesma direção. Não tínhamos, até recentemente, uma única editora, um só jornal ou revista que publicasse obras de outra tendência que não fosse “progressista”. A divergência em face de tal hegemonia não tinha como se manifestar, até que a internet ofereceu uma tribuna, que por algum tempo foi livre.

Muitos “progressistas” se presumem democratas, pregam pluralismo e defendem a diversidade e a tolerância, mas reagiram violentamente ao contraditório proporcionado pela internet. Personalidades ilustres, como Umberto Eco (1932 – 2016), conforme amplamente divulgado, sentiu-se incomodado diante da oportunidade de expressar o pensamento, dada a todos pelas novas tecnologias de informação, aludindo ao fato como sendo a possibilidade de todo idiota agora ter uma tribuna. Pode ser verdade, mas não é novidade introduzida pelas redes sociais e representa a desejável ausência de censura. A hegemonia ideológica na indústria cultural, nos meios de comunicação e nas instituições de ensino não é fruto do acaso ou da superioridade intelectual ou moral das ideias da tendência dominante, nem se fez subitamente, conforme dito neste ensaio.

Remando contra a maré da hegemonia ideológica é preciso indicar as fontes de tudo o que é dito, daí as numerosas referências bibliográficas, que não são necessárias quando apenas se ecoa o pensamento dominante. Tais citações não têm o sentido de apelo ao argumento de autoridade, nem de formalismo acadêmico. Registre-se que a citação de excerto dos escritos de um autor não significa adesão ao conjunto de suas ideias.

2 – O Apelo sedutor

O sucesso junto ao público – e até junto aos intelectuais – depende mais da habilidade de sedução que do mérito da argumentação. Ganhar a adesão do leitor, de auditórios, inclusive em sala de aula, e de interlocutores nos diálogos da convivência social depende mais da retórica, do apelo às emoções, do prestígio (argumento de autoridade) e da instituição ou veículo de comunicação que veicula o que é dito. Não é raro ouvir-se protesto contra uma crítica em nome da amizade do interlocutor com o autor criticado, até no âmbito de instituições supostamente destinadas à exposição e debate de ideias.

O argumento de autoridade pode aparecer na forma da resistência a uma crítica sob o argumento de que o criticado é um autor renomado, uma pessoa boníssima ou um homem público respeitado. Outra forma de afastar uma argumentação, sem razão para tanto, pode assumir a aparência de conselho cordial, do tipo “não seja professoral”, isto é, não argumente bem, não fundamente, não seja claro e objetivo. Entre os fatores que facilitaram a dominação ideológica encontramos o que Pedro Demo qualificou como indigência teórica[2]; ao lado da ação de grupos organizados e atuantes, valendo-se da licenciosidade da ética teleológica usando de sofismas denunciados por Arthur Schopenhauer na obra “A arte de ter razão[3]”.

2.1 – Antecedentes mediatos ou remotos

O apelo sedutor, do tipo que os gregos descreveram usando a figura antropomórfica da deusa Bem-Aventurança, mulher formosa e atraente, que prometia aos que a seguissem colher sem precisar plantar, além de estrada e cama macias, entre outras coisas. Outra deusa, menos atraente, chamada Virtude, redarguia dizendo que o verdadeiro nome da formosa deusa era Mentirosa e exortava a todos: plantem para colher e observem os valores da virtude, conforme relato de Schwab[4]. Promessa de alcançar o paraíso sem precisar morrer e desfrutar de riqueza já existente, é retórica apta a fazer prosélitos. A Torre de Babel é exemplo de inclinação irrealizável, mas atraente, na mente humana conforme Michael Oakeshott[5]. As origens míticas das ideias políticas são encontradas na invocação de um mundo paradisíaco em algum tempo passado, condição perdida que deverá ser recuperada (utopias), em muitas culturas e no pensamento político, segundo Raoul Girardet.[6]

Podemos explicitar o que o autor citado não mencionou, lembrando o exemplo do comunismo primitivo, sociedade supostamente sem classes e harmoniosa. Os nossos índios sonhavam com uma terra sem males, estudada por Rafael Mendes na obra “Terra sem mal”.[7]. O domínio ideológico, ajudado pelo pensamento mágico, controla a percepção do modo descrito por Gaston Bachelard como obstáculo epistemológico[8], ainda que enganador.

Dizer o que as pessoas querem ouvir é fácil. Uma vez estabelecido um conjunto de referências cognitivas e afetivas se instala a cegueira dos paradigmas, descrita por Thomas Kuhn[9], esta pessoa o relacionará as referências aludidas com tudo, aceitando ou repudiando a realidade conforme se ajuste ou não a este verdadeiro leito de Procusto, figura da mitologia grega que capturava pessoas e, depois de amarrá-las em sua própria cama, cortava o pedaço das mais altas, maiores que o padrão assim estabelecido; e tracionava violentamente os mais baixos, menores que o limite adotado[10]. Assim é o pensamento cujo lugar de plenitude foi capturado, na mente das pessoas catequizadas. “O homem que lisonjeia o seu próximo, arma uma rede aos seus passos”[11].

O pensamento mágico, somado ao desejo de sentir-se virtuoso e sábio, apontando ou compreendendo a fórmula que permite conquistar a Torre de Babel ou chegar à Terra sem Males, sempre existiu. Entre os antecedentes mediatos que pavimentaram o caminho do aparelhamento das universidades, o pensamento baseado em fantasias e o desejo de aparentar virtude e sabedoria, conforme conselho de Maquiavel[12], ou assim se sentir, são fatores antiguíssimos. É a vontade que anima o “progressismo”, é a volúpia do poder demiúrgico, ao modo de Prometeu, aquele que pensa antes, mas que apesar de assim se chamar roubou o fogo sagrado do Olimpo para ter poder, sabedoria e favorecer os homens[13]. A semelhança com o fruto do conhecimento do bem e do mal, do Gênese[14], que abriria os olhos de quem o comesse, tornando-o igual a Deus é notória.

Autores consagrados, com admirável argumentação, adquirem autoridade que é projetada nos seus seguidores. Os erros de tais autores são omitidos pelos mestres que se aproveitam do prestígio que deles extraem. Assim “A república[15]”, obra repudiada pelo próprio autor, quando na maturidade escreveu “As leis[16]”, não divulgada pelos professores, que ocultam a obra em que o pensador revisou o próprio pensamento utópico. A vontade de potência, apresentada na obra de Friedrich Nietzsche[17] é tão antiga quanto as suas funestas consequências.

2.1.1 – A contribuição da modernidade

A modernidade modificou o pensamento mágico, recobrindo-o com uma camuflagem cientificista: o Iluminismo, apresentou-se como portador de uma cientificidade tão sólida como a das ciências da natureza, que são dotadas de leis aptas a permitir previsões. As ciências da cultura, todavia, não são nomológicas. Não descrevem fenômenos deterministas, do tipo que reúne um conjunto de fatores em condições definidas e aponta um resultado indubitável (lei em sentido científico). O fenômeno humano poder ser probabilístico, meramente tendencial ou entrópico. Em condições normais de temperatura e pressão os ácidos reagem com as bases formando sempre sal e água. O fenômeno humano não apresenta tal recorrência, conforme exposição detalhada que fizemos na obra “O desfio do conhecimento histórico”[18]. A ciência é processual. Não é feita de enunciados definitivos. Suas proposições e teorias têm validade transitória. Quatro modelos diferentes de átomo se sucederam como válidos em pouco tempo.

2.1.2 – Uso e abuso do nome da ciência

A adjetivação “científico”, no campo humanístico, se presta a prestidigitação por parte de quem se coloca como autoridade. Iluministas pregaram igualdade, liberdade e fraternidade. Promoveram uma revolução que trouxe a “fraternidade” da guilhotina e uma “liberdade” que não tolerava outro pensamento que não o seu. Outras revoluções, aparentadas com o pensamento iluminista, criaram os “mais iguais” descritos na alegoria de Georg Orwell[19]; fenômeno também descrito na obra “A nova Classe” (Milovan Djilas[20]). A classificação de um discurso como científico tem se prestado à fraude[21]. A ciência apresenta teses falseáveis[22]. Utopias não são falseáveis, não são científicas.

2.2 – Antecedentes próximos

Nelson Rodrigues criou a expressão “complexo de vira-lata”, conforme amplamente divulgado. Os “progressistas conquistaram a hegemonia ideológica na Europa. Isso influenciou a intelectualidade brasileira e do mundo inteiro. Acontecimentos sociais e políticos nas “terras civilizadas” impressionam o nosso mundo letrado. A revolução Bolchevique, vista pela maioria dos intelectuais como um “avanço”, favoreceu a hegemonia do “progressismo”, categoria aqui usada como alusão a diversas tradições políticas libertárias, protagonizadas pelos arautos do “progresso”, categoria teórica a ser discutida oportunamente. A Revolução Francesa passou o cetro da “vanguarda da História” para a Revolução de 1917. Pensadores europeus são referência para os nossos intelectuais. A hegemonia ideológica vigente no Velho Mundo fez escola no Brasil e em escala planetária.

2.2.1 –A ideia de progresso

O “progressismo” não se beneficiou apenas pelas supostas realizações “grandiosas” das Revoluções Russa, Chinesa e Cubana. A ideia de progresso supõe a existência de uma marcha evolutiva, um aperfeiçoamento que leva a um porvir superior. A obra “História e memória[23]” enumera progressos científico, técnico, de organização política e social como manifestações de ritmos diferentes. Não fala, todavia, em um estágio superior decorrente de uma ordem cósmica ou da evolução da condição humana ou das suas virtudes.

A ideia de progresso humano necessita, para ser validada, do avanço ou aperfeiçoamento da nossa aptidão (i) para conviver com os nossos conflitos íntimos; (ii) (ii) com os nossos semelhantes e (iii) com a natureza. Os nossos contemporâneos não são superiores, em nenhum desses três pontos, aos contemporâneos de Sócrates (470 a.C. – 399 a. C.). Nenhuma dessas condições é observável. Progresso é uma formulação frágil e mal explicada quando se trata da condição humana, sendo, todavia, uma retórica poderosa. O grande progresso científico; técnico; e da organização social alimentou a ideia de progresso das virtudes humanas e o sonho de um novo homem reformado por uma engenharia social.

2.2.2 – A engenharia social e o novo homem

O homem nasce bom e a sociedade o corrompe, conforme Rousseau[24]. Fica a sugestão ou insinuação: se aperfeiçoarmos a sociedade o homem será aperfeiçoado. A vontade demiúrgica de criar um novo homem empreende a reengenharia social para criar um novo ser. Vontade de potência, aparentando virtude e sabedoria é um conjunto sedutor. Os “sábios”, porém, não têm curiosidade de saber quem corrompeu a sociedade que originalmente teria sido formada por homens nascidos bons. Além disso confiam em uma engenharia social e antropológica sem base em ciências nomológicas ou duras, apesar dos sucessivos fracassos de tal empreendimento.

 

2.2.3 – O trabalho de organizações internacionais

Organizações políticas internacionais, comandadas desde as “terras civilizadas” ou desde um centro revolucionário mundial planejaram e contribuíram muito para a realização do aparelhamento ideológico das instituições as mais diversas. A Internacional Socialista, em suas sucessivas fases, atuou como um exemplo de organização política internacional que pelo menos em alguns de seus momentos se empenhou em planejar e executar a conquista da hegemonia ideológica, tendo Moscou como centro decisório, conforme os arquivos soviéticos estudados por William Waack[25]. Sindicatos estratégicos, como ferroviários, bancários, marítimos, portuários, gráficos – não por acaso – foram aparelhados mais cedo, conforme amplamente registrado na literatura sobre o tema.

Veículos de comunicação de massa também foram alvo prioritário. Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados, já dizia, nos anos cinquenta do século XX, que não se fazia jornal sem comunista[26]. Certamente a vocação jornalística não era monopólio dos marxistas. É mais verossímil a hipótese de que tal seletividade fosse fruto de aparelhamento na forma de triagem ideológica. Os empresários de comunicação, como os de educação, não souberam ou não quiseram impedir que as suas empresas fossem aparelhadas pelos “progressistas”, talvez pensando poder controlá-los. Editoras, a exemplo da Civilização Brasileira, da Companhia das Letras, da Vozes e de tantas outras quase que só publicavam obras de autores “progressistas”. Paul Johnson, Edmundo Burke, Thomas Sowell, Michael Oakeshott, Karl Popper, Raymond Aron, Roger Scruton, José Guilherme Merquior até recentemente não eram conhecidas no Brasil, seja porque as suas obras não fossem publicadas ou porque as raras publicações não eram indicadas por professores ou articulistas.

Alguns “burgueses” passaram pelas universidades e assimilaram o pensamento “progressista” como se fossem princípios humanitários, aceitando o aparelhamento como “defesa do bem”. A promoção que “camaradas” ou “companheiros” fazem uns dos outros convence muitos estudantes, empresários e o público em geral. Outros, por indigência teórica não percebiam, e ainda não percebem a catequese ideológica nas entrelinhas dos textos. Existem, ainda, entre os empresários, os que gostam de lidar com governos socialistas, porque é mais fácil obter favores do Leviatã pagando propina, do que enfrentar a livre concorrência.

2.2.4 – A secularização e a politização de igrejas

A influência da Teologia da Libertação (TL) foi muito grande. A Teologia da Missão Integral (TMI), aparentemente reforçada pela tese de Rubem Alves[27], também seguiu o caminho da secularização do pensamento confessional e metamorfoseou-se em uma filosofia humanista, libertária, valendo-se de pressupostos antropocêntricos, esquecida do teocentrismo e do sobrenatural. A influência da TMI, porém, foi pequena, aceita mais nas denominações numericamente pouco expressivas, das chamadas igrejas frias. A TL fez muitos prosélitos no clero e nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que se politizaram.

O Concílio Vaticano II (1961 – 1962) foi convocado quando a URSS estava liderando a corrida espacial. A China anunciava feitos extraordinários do “Grande Salto”, programa de desenvolvimento do Partido Comunista Chinês (PCCh), que alguns anos mais tarde se mostraria um grande e trágico fracasso. A Revolução Cubana parecia incendiar toda a América Latina. Os partidos comunista e socialista da França e da Itália cresciam a cada eleição e o colégio de Cardeais do Vaticano era majoritariamente constituído por italianos e franceses. As guerras de descolonização na África e na Ásia atiravam os povos destes continentes nos braços da URSS. Parecia que a derrota do Ocidente, na Guerra Fria, estava consumada. A Cúpula do Vaticano, valendo-se da experiência histórica da tática de abandonar governos moribundos e alegar, posteriormente, que a queda dos mesmos se deveu ao rompimento da Igreja, como no caso da monarquia brasileira[28], decidiu apoiar quem aparentemente venceria a Guerra Fria.

O Concílio Vaticano II adotou a secularização e as políticas sociais que o aproximavam dos “progressistas”. Anos depois a URSS e os seus satélites desmoronaram. A Revolução Cubana não incendiou a América Latina. Os partidos comunistas e socialista sofreram grande declínio eleitoral, sendo, em alguns casos, obrigados a mudar de nome para sobreviver, como o Partido comunista italiano (PCI) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Os italianos e franceses já não são maioria no colégio de cardeais. Até foi eleito papa um cardeal Polonês, anticomunista, depois que os italianos perderam o monopólio do posto, que haviam detido por muito tempo. A TL foi então posta de lado.

Havia, contudo, toda uma geração de clérigos formada na TL, como aconteceria nas instituições de ensino em geral, onde as novas gerações de professores, formados sob a hegemonia do “progressismo”, não sabem fazer outra coisa que não seja reproduzir a catequese a que foram submetidas quando estudantes, reforçada pela leitura de jornais e de livros publicados de acordo com o viés das editoras. A influência atávica das origens jesuíticas do nosso ensino, continuada com as influências positivista e materialista histórica, todas catequéticas e dogmáticas, embora conflitantes entre si, formaram o caldo de cultura que facilitou o acatamento, pelos alunos e pelos seus pais, pelos empresários de educação e autoridades governamentais da catequese ideológica empreendida por professores, jornalistas e autores promovidos pelo trabalho de aparelhamento das instituições. As lacunas intelectuais anteriormente aludidas também facilitaram o domínio das instituições de ensino, das empresas de comunicação e editoras.

Alguns anos depois o mundo mergulharia na grande crise de 2008. Muitos intelectuais que haviam se afastado dos dogmas do “progressismo” voltaram apressadamente às próprias origens ideológicas, afastando-se da dificuldade de ensinar outra coisa, por falta de conhecimento. A falta de raízes teóricas explica a vulnerabilidade ideológica de intelectuais, jornalistas, professores, alunos, pais, clérigos e empresários. O Vaticano também voltou sobre os próprios passos, sob a liderança de Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, retomando o caminho da TL.

3 – Algumas conclusões.

A intelligentsia era, na Rússia Czarista, no século XIX, a vanguarda intelectual. Por extensão, o vanguardismo intelectual e artístico, em todos os países, é assim designado. A ideia de vanguarda e o engajamento é o ponto saliente. Intelectuais, no dizer Sowell[29], não são os eruditos, os que estudam muito ou têm reconhecida inteligência superior. Engenheiros nucleares, matemáticos e físicos, inteligentes e estudiosos, não são intelectuais, salvo se forem politicamente engajados, militantes da intelligentsia e se voltarem para outros objetos cognoscíveis que não os desígnios das suas especialidades, como Bertrand Russel, um matemático que se voltou para a Filosofia e para a militância política. Jocosamente, há quem diga que para ser intelectual é preciso consumir drogas e adotar outras práticas divergentes do padrão social e até biológico. Intelectual designa militantes de “vanguardas”, engajados politicamente, que têm nas abstrações o objeto das próprias cogitações.

Quase todos querem ser intelectuais, embora o prestigioso título não abone o caráter, nem seja indicador de virtudes morais ou cívicas, nem mesmo de uma lucidez privilegiada ou sequer de erudição. A intelligentsia é “progressista”. O vanguardismo claramente indica isso. Títulos universitários contribuem para o ingresso nos círculos assim qualificados e ter prestígio neles. Também ajudam a vender livros, publicar artigos e livros, obter financiamento de pesquisa, ser aprovado em seleção de programas de pós-graduação e em concursos para o magistério superior. Os integrantes da intelligentsia citam uns aos outros e viabilizam o chamado impacto das publicações, o que conta ponto na avaliação do professor e do programa de pós-graduação. Já houve revista universitária que devolveu artigo recomendando ao articulista que citasse determinados autores. Isso é aparelhamento que não se limita ao processo de triagem ideológica, pois envolve também a promoção pessoal dos integrantes dos grupos que Linda Lewin[30] denomina cooperativas de poder. A seletividade ideológica se mistura ao carreirismo das pessoas, pois só são aceitos nas citadas cooperativas de poder quem segue alguma orientação “progressista”.

O intercâmbio internacional contribuiu para o aparelhamento. A França, logo após a II Guerra Mundial, ofereceu bolsas para estudantes do que então era identificado como terceiro mundo. Era uma glória fazer curso na França. Viagens internacionais não eram comuns, como hoje. Conhecer a “cidade Luz”, estudar e trazer um título de lá era o máximo. Os nossos bolsistas ficavam deslumbrados com professores renomados internacionalmente. Não ousavam ler criticamente os seus escritos, nem se decepcionavam com aulas proferidas como conferências, sem diálogo com os alunos, ministrada com a leitura de um texto, coisa que no Brasil desmoralizaria um professor. Assim também as gerações mais recentes dos estudantes das nossas universidades se encantam com os professores cheios de títulos, alguns dos quais obtidos em universidades estrangeiras, e se deixam catequisar facilmente.

Celso Furtado[31], em suas memórias, conta que chegando pela primeira vez em universidade francesa, recebeu enorme bibliografia de um professor. Ficou preocupado diante de tamanha carga de leitura. No elevador encontrou um patrício, estudante veterano na mesma instituição, a quem confidenciou seus temores. Ouviu então que os professores franceses afogavam em facilidade os estudantes do terceiro mundo. Os brasileiros quedavam-se genuflexos diante dos professores e dos livros dos franceses. O Partido Comunista Francês (PCF) e o Partido Socialista Francês (PSF) cresciam. Os estudantes brasileiros voltavam da França “progressistas”, se já não fossem antes de para lá se dirigirem. Isso muito contribuiu para a conquista da hegemonia ideológica dos “progressistas” que aparelharam as universidades. É preciso desmistificar a suposta sabedoria de professores e autores formados segundo o viés ideológico da promessa de colheita sem esforço. É preciso diversificar as leituras e as fontes de informação.

4 – Referências.

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[1] SOWELL, Thomas. Os intelectuais e a sociedade. São Paulo: Realizações editora, 2011.

[2] DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1995.

[3] SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ter razão. Petrópolis: Vozes, 2017.

[4] SCHWAB, Gustav. As mais belas histórias da Antiguidade Clássica. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

[5] OAKESHOTT, Michael. A torre de Babel in Sobre a História e outros ensaios. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.

[6] GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987).

[7] MENDES JÚNIOR, Rafael. Terra sem mal: uma saga guarani. Rio de Janeiro: UFRJ, 2021.

[8] BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. Lisboa: Edições 70, 2008.

[9] KUHN, Thomas S. Kuhn. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2017.

[10] KURY, Mário da Gama. Dicionário de mitologia greco-romana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

[11] PROVÉRBIOS 29;5. Português. Bíblia. Tradução Brasileira. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018.

[12] MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe (Os pensadores). São Paulo: Nova Cultural, 1987.

[13] KURY, Mário da Gama. Dicionário de mitologia greco-romana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

[14] GÊNESE, capítulo 3. Português. Bíblia. Tradução brasileira. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018.

[15] PLATÃO. A república. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.

[16] PLATÃO. As leis. Bauru: EDIPRO, 1999.

[17] NIETZSCHE, Friedrich. A vontade poder. São Paulo: Editora Quadrante, 2004.

[18] MARTINHO RODRIGUES, Rui. O desafio do conhecimento histórico. Fortaleza: EUDECE, 2018.

[19] ORWELL, Georg (Eric Arthur Blair). A revolução dos bichos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

[20] DJILAS, Milovan. A nova Classe. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1958.

[21] SOKAL, Alan; BRICMONT, Jean. Imposturas intelectuais. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999.

[22] POPPER, Karl R. Conjecturas e refutações. Brasília: UnB, 1982.

[23] LE GOFf, Jacques. História e memória. Campinas: UICAMP, 1996.

[24] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Martin Claret, 2010.

[25] WAACK, William. Camaradas. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

[26] MORAIS, Fernando. Chatô, o rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

[27] ALVES, Rubem. Towards a Theology of liberation. Defendida no Priceton Theological Seminary, 1968.

[28] Ver “A questão religiosa” e a crise política da monarquia brasileira.

[29] SOWELL, Thomas. Os intelectuais e a sociedade. São Paulo: Editora É realizações, 2009.

[30] LEWIN, Linda. Política e parentela na Paraíba. Rio de Janeiro: Record, 1993.

[31] FURTADO, Celso. Fantasia organizada. São Paulo: Paz e Terra, 1985.

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