CHEGAMOS AOS 60 ANOS DE FORMATURA EM AGRONOMIA
Antônio de Albuquerque Sousa Filho *
Em março de 1959 um grupo de 50 jovens que havia passado pelo vestibular da antiga Escola de Agronomia, atual Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Ceará, iniciava os primeiros passos na busca pelo título de engenheiros agrônomos. O grupo apresentava algumas características em relação a outros da mesma Escola: éramos o maior número de estudantes, até então, a entrar para o curso de agronomia da UFC e tínhamos também o maior número de mulheres (11). Quatro anos depois, 49 concluíram o curso.
Fortaleza era uma cidade provinciana, tendo suas principais atividades políticas, econômicas, culturais, religiosas e profissionais situadas no centro da cidade. Ali estavam a sede do Governo Estadual, da Assembleia Legislativa, do Tribunal de Justiça, da Prefeitura Municipal, do Bispado de Fortaleza, do Comando da Região Militar, dos Bancos, do Comércio, farmácias (algumas eram locais de reunião de intelectuais), cafés e sorveterias, jornais e emissoras de rádio (não havia televisão), os principais templos religiosos, os mais importantes consultórios de médicos, dentistas e advogados, cinemas, pontos de chegada e partida das linhas de ônibus urbanos e metropolitanos, cadeia pública, tendo a Praça do Ferreira(conhecido como o Coração da Cidade) como ponto de conversas e informações, onde se destaca o Abrigo Central. Os serviços básicos de água encanada, esgotos e segurança também estavam concentrados no centro da cidade.
A Escola de Agronomia estava situada no Bairro de São Gerardo, no início da Avenida Mr. Hull, numa área própria da UFC, isolada das demais unidades acadêmicas, atualmente denominada Campus do Pici (oficialmente Campus Professor Prisco Bezerra). O deslocamento dos estudantes era feito por um ônibus azul Chevrolet da própria Escola ou por linhas de transporte coletivo de São Gerardo e/ou Antônio Bezerra. O ônibus da Escola partia do Abrigo Central, embarcando alunos em pontos programados. As aulas eram de segunda-feira a sábado, no horário de 7.00 horas às 11.OO horas e nas terças e quintas-feiras das 13.OO às 15.OO horas. O sistema era anual, incluindo as chamadas disciplinas básicas e as profissionais, com aulas teóricas e práticas, realização de viagens de estudo, havendo durante o curso provas escritas, orais e práticas, com o sistema de passagem direta de um ano para outro pela média (nota sete), recuperação oral (nota entre 5 e 6) e recuperação escrita e oral (nota abaixo de 5). Após quatro anos de curso normal, obtinha-se o título de engenheiro agrônomo.
O encerramento de nosso curso foi chamado de “ano de ouro” em função da grande oferta de empregos por parte do Ministério da Agricultura, Secretárias Estaduais de Agricultura, Serviços de Assistência e Extensão Rural existentes nos Estados do Nordeste, DNOCS, SUDENE, BANCO DO NORDESTE, Universidades e empresas privadas. A maior parte dos colegas da turma 1962 da UFC foi trabalhar na SUDENE.
Optei pelo Serviço Nordestino de Crédito e Assistência Rural (ANCAR) do Rio Grande do Norte, tendo dado o meu nome também para o Ministério da Agricultura. Trabalhar no interior do Nordeste era um desafio: não havia estradas asfaltadas, energia elétrica, telefonia, sistemas de água encanada e tratamento de esgotos, haviam poucas alternativas de transporte coletivo, raros hotéis (dominavam as chamadas pensões), sem hospitais e profissionais da área da saúde (existiam os práticos de saúde e curandeiras), urbanização inadequada das sedes municipais, pobreza generalizada, assim como a falta de escolas de qualidade (existia o chamado Grupo Escolar) atuando com professoras leigas. Predominavam na agricultura as culturas do algodão, criação de gado (sem genética de qualidade) e culturas de subsistências, as derrubadas da vegetação nativa e queimadas, provocando forte processo de pobreza e erosão do solo. Na estrutura agrária a grande propriedade era destaque e as principais lideranças e forças políticas das comunidades eram o Prefeito Municipal, o Vigário e o Delegado de Polícia.
Trabalhar como agrônomo de campo era desafiador porque não tínhamos suporte de pesquisas agropecuárias (a EMBRAPA surgiria anos depois), quantidade e disponibilidade de insumos modernos (sementes de qualidades, defensivos, adubos), e precisávamos lidar com preços elevados e escassez de empresas vendedoras de equipamentos agrícolas (semeadeiras, arados, tratores, pulverizadores, adubadoras etc.). Faltava muitas vezes suporte de colegas com experiência de campo e treinamento técnicos atualizados. Grande gargalo para atuação no campo era a ineficiência dos serviços públicos de suporte do setor agropecuário. A saída, na maioria das vezes, era o uso do bom senso, adaptando formas tradicionais de tecnologias locais, usadas pelos chamados produtores inovadores.
Depois de um ano de trabalho na ANCAR-RN, saiu a nossa nomeação para agrônomo do Ministério da Agricultura. Retornando ao Ceará, fomos lotados para trabalhar na Região do Cariri Cearense, para coordenar a Comissão de Desenvolvimento do Vale dos Carás. O Cariri era outra realidade totalmente diferente na Região do Nordeste brasileiro, com dominância do verde (Chapada do Araripe), vários mananciais de água, solos ricos, com dominância das culturas da cana-de-açúcar e do algodão ao lado da pecuária de leite, comércio desenvolvido, programa chamado Projeto Morris Asimov (convênio UFC / SUDENE / Universidade da Califórnia) para implantação de médias indústrias na região, sedes municipais dotadas de energia elétrica de Paulo Afonso, com escolas tradicionais (públicas e privadas),inclusive com Faculdades, centro cultural e religioso ( a figura do Padre Cícero), artesanato variado (de barro, madeira e joias) e grupos folclóricos. Atuar na região como engenheiro agrônomo foi um desafio novo e enriquecedor e o maior prêmio que ali recebemos foi, convidados para sermos professor da Universidade Federal do Ceará, após exercer por mais de um ano e meio a Coordenação da Comissão de Desenvolvimento do Vale dos Carás, a vinda à minha residência de um grupo de produtores rurais do Vale, ofertando recursos financeiros próprios para ali permanecermos.
Ser professor do Centro de Ciências Agrárias era um desafio ainda maior, partindo depois para novas experiências profissionais em cargos administrativos dentro da própria UFC, do Governo Estadual do Ceará, do Governo Federal (Brasília), e de serviço ligado as pequenas e micro empresas. Participação em cursos de especialização e pós-graduação no Brasil, no Exterior e, enfim aposentadoria e realização de novos projetos como a publicação de quatro livros (planejando o quinto) e da participação em entidades de classe.
Chegamos aos 60 anos de formatura em agronomia e olhamos para o retrovisor do nosso percurso de vida. Sentimos a falta de muitos dos nossos antigos professores, dentre eles dos mestres Prisco Bezerra (diretor da Escola), Haroldo Pequeno, Ivan Ramos, Afrânio Fernandes, José Wilson, Francisco Barbosa, Hugo Lopes, Renato Braga, Alzir Barreto, Negreiros Bessa, Jaime Nascimento, Dario Soares, José Matias, Diógenes Cabral, Milton Botelho, Flávio Prata, Ilo Vasconcelos, Américo Gomes, Alencar Moreira, Moura Fé, Júlio da Ponte, Raimundo Pontes e Godofredo de Castro. Saudades dos colegas que já se foram, entre outros José Braga Paiva, François Boris, Antônio Marques, Clairton Martins, Raul Nylo, Demócrito Assis, Ednir Lima, Heber Lima, Leopoldo Caracas, Mario Henriques, Omar Jesus, Ivone Mota, Maria Cunha, Raimundo Ferdinando, num total de 26 falecidos.
A cidade de Fortaleza transformou-se em metrópole, com os bairros com vida própria, comércio moderno, infraestrutura ampla (novas avenidas, viadutos), várias universidades, novos parques públicos, transportes públicos diversificados, ampliação dos serviços de água tratada e esgotos, novos hospitais, aeroporto internacional.
O Nordeste brasileiro é outra realidade com a chegada da energia elétrica em praticamente todas as sedes dos municípios, vilas e muitas propriedades rurais, com o asfalto, água encanada e alguns serviços de saneamento, televisão, telefone celular, novas escolas (inclusive Universidades e/ou Faculdades), fábricas, práticas agrícolas mais tecnológicas (via EMBRAPA), sistemas modernos de irrigação, oferta de insumos agrícolas necessários e adequados e, infelizmente a chegada das drogas, trazendo inseguranças.
Precisamos olhar para o futuro, esperando dias melhores e lutar por um país menos desigual, com menos desníveis econômicos e sociais, erradicar a fome, a miséria, os desníveis regionais, o analfabetismo, o desemprego, alcançarmos uma melhor distribuição de renda, possibilitar habitações adequadas e saneamento básico para os que mais necessitam, fortalecer a nossa democracia e novas e qualificadas lideranças políticas ao Brasil. Este é o nosso sonho para os nossos filhos, netos e bisnetos após 60 anos de formados em Agronomia, decorrentes de muitos anos de trabalho, muitas lutas e persistência.
*Professor aposentado da UFC.
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