QUANDO O MILHO SOMOS NÓS
Espécies transgênicas são geneticamente
modificadas. A engenharia genética modificou espécies produtoras de alimentos,
como soja e milho. Houve, então, grande debate. Dizia-se que poderia haver
prejuízos para o ambiente e riscos para a saúde dos consumidores. Os maiores
temores aparentemente não se confirmaram. Deixo a palavra com os estudiosos do
assunto, já que falo como leigo, exercendo o direito de reivindicar informações.
Os benefícios anunciados aparentemente se confirmaram.
Hoje há um debate sobre a vacina da
Pfizer, que estimula a produção, pelo organismo da pessoa vacinada, a produzir
uma molécula que é parte do vírus causador da Covid-19. O ácido ribonucleico do
tipo mensageiro (RNAm ou mRNA), conforme conhecimento ministrado no ensino
médio (segundo grau ou científico), transporta a informação do DNA (ácido
desoxirribonucleico, situado no núcleo da célula) para os ribossomos, situados
no citoplasma, que são as fábricas de proteínas. O RNAm da Pfizer estimula a
produção de uma proteína que é parte do vírus da COVID-19, um antígeno,
simulando uma invasão pelo agente citado. Organismo produz anticorpos contra a
proteína que ele mesmo produziu, valendo como defesa contra a doença.
Especialistas divergem, fato comum na
ciência. Um lado argumenta que é um meio mais barato, mais rápido e
massificável de produzir vacina em meio a uma emergência gravíssima; além de
afirmar que a relação custo/benefício é favorável. Os contrários alegam que não
houve teste seguro (seria então uma vacina experimental aplicada em massa), que
os riscos são grandes, podendo estimular doenças autoimunes, já que o organismo
produzirá anticorpos contra uma proteína que ele mesmo produziu. Dizem ainda
que a possibilidade de produzir imunizantes pelo método tradicional,
introduzindo o agente infeccioso atenuado ou inativado afasta a necessidade do
uso massivo de um produto que seria experimental e os riscos muito grandes. A
maior polêmica diz respeito ao uso desta vacina em crianças nas quais a relação
custo benefício seria diferente, dada a baixa letalidade no grupo específico.
O direito à informação pede
esclarecimentos. Haveria semelhança da vacina que usa o RNAm com a engenharia
genética dos transgênicos? Curiosamente os que na sociedade se opunham a
genética modificada na agricultura hoje defendem a vacina do RNAm e,
reciprocamente, os defensores, digamos, do milho geneticamente modificado, hoje
combatem a dita vacina produzida com técnica genética. Debate ao vivo entre
especialistas seria oportuno, juntamente com divulgação ampla de ambas as
correntes. Quando o milho somos nós (uso a analogia como uma licença dos tropos
de linguagem) os papeis se invertem.
O debate deveria
apresentar mais informações. Não devemos subestimar a capacidade do público
razoavelmente letrado. A Epidemiologia tem nas metodologias quantitativas um valioso
instrumento. Os dados relativos aos riscos por faixa etária, associados aos
grupos específicos acometidos por comorbidade, o grau de proteção obtida
inclusive quanto a transmissibilidade, a incidência de efeitos colaterais severos
e outras informações deveriam ser mais divulgadas. A definição de políticas
públicas e a adesão da população a um procedimento deve ter informações
técnicas como base. Não basta invocar nomes prestigiosos de pesquisadores,
instituições ou grupos corporativos como argumento de autoridade. Isso é
subestimar a capacidade do público. Nós, cidadãos leigos, temos direito à
informação.
Fortaleza, 31.12.21.
Rui Martinho Rodrigues.
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