APARELHAMENTO DAS INSTITUIÇÕES
1 – Introdução
O estudo do aparelhamento das
instituições, particularmente daquelas dedicada ao ensino, em especial as
universidades e à comunicação social é o objetivo deste ensaio. O método aqui
empregado é o reflexivo, baseado na observação dos fatos e atos dos sujeitos da
ação política, social e cultural registrada por diversas fontes. Considerações
sobre os antecedentes históricos mediatos e imediatos; o papel dos intelectuais,
aqui entendidos, conforme Thomas Sowell[1],
como aqueles que integram a intelligentsia;
as organizações políticas e sociais envolvidas, que influenciam e são
influenciadas pelo aparelhamento umas das outras, são aqui consideradas, em
razão do espaço, em análise meramente perfunctória de organizações tais como
associações profissionais, sindicatos,
associações de bairros que alguns nomeiam como sociedade civil aparelhada.
O modus
operandi do ativismo ideológico também integra o objeto das reflexões aqui
expostas, juntamente com os efeitos do aparelhamento sobre a qualidade do
ensino e os conflitos no interior das instituições e da sociedade, levando ao
clima de conflagração até nas famílias. O aparelhamento das universidades
guarda relação, ainda, com o intercâmbio internacional entre os meios
intelectuais, com destaque para as universidades, e os seus pares europeus e
norte-americanos.
Temos uma presença conservadora
expressiva na sociedade brasileira. Também existem liberais entre nós. Mas
todos os meios tradicionais de comunicação se identificam apenas com as
tendências havidas como “progressistas”. A diversidade se circunscrevia apenas
às múltiplas tendências que se abrigam sob o citado rótulo. Editoras, jornais,
revistas, emissoras de televisão e de rádio, produção teatral e cinematográfica
se inclinam, até hoje, apesar de uma pequena mudança na situação, quase
homogeneamente na mesma direção. Não tínhamos, até recentemente, uma única
editora, um só jornal ou revista que publicasse obras de outra tendência que
não fosse “progressista”. A divergência em face de tal hegemonia não tinha como
se manifestar, até que a internet ofereceu uma tribuna, que por algum tempo foi
livre.
Muitos “progressistas” se presumem
democratas, pregam pluralismo e defendem a diversidade e a tolerância, mas reagiram
violentamente ao contraditório proporcionado pela internet. Personalidades
ilustres, como Umberto Eco (1932 – 2016), conforme amplamente divulgado,
sentiu-se incomodado diante da oportunidade de expressar o pensamento, dada a
todos pelas novas tecnologias de informação, aludindo ao fato como sendo a
possibilidade de todo idiota agora ter uma tribuna. Pode ser verdade, mas não é
novidade introduzida pelas redes sociais e representa a desejável ausência de
censura. A hegemonia ideológica na indústria cultural, nos meios de comunicação
e nas instituições de ensino não é fruto do acaso ou da superioridade
intelectual ou moral das ideias da tendência dominante, nem se fez subitamente,
conforme dito neste ensaio.
Remando contra a maré da hegemonia
ideológica é preciso indicar as fontes de tudo o que é dito, daí as numerosas
referências bibliográficas, que não são necessárias quando apenas se ecoa o
pensamento dominante. Tais citações não têm o sentido de apelo ao argumento de
autoridade, nem de formalismo acadêmico. Registre-se que a citação de excerto
dos escritos de um autor não significa adesão ao conjunto de suas ideias.
2 – O Apelo sedutor
O sucesso junto ao público – e até junto
aos intelectuais – depende mais da habilidade de sedução que do mérito da
argumentação. Ganhar a adesão do leitor, de auditórios, inclusive em sala de
aula, e de interlocutores nos diálogos da convivência social depende mais da
retórica, do apelo às emoções, do prestígio (argumento de autoridade) e da
instituição ou veículo de comunicação que veicula o que é dito. Não é raro
ouvir-se protesto contra uma crítica em nome da amizade do interlocutor com o
autor criticado, até no âmbito de instituições supostamente destinadas à exposição
e debate de ideias.
O argumento de autoridade pode aparecer
na forma da resistência a uma crítica sob o argumento de que o criticado é um
autor renomado, uma pessoa boníssima ou um homem público respeitado. Outra forma
de afastar uma argumentação, sem razão para tanto, pode assumir a aparência de
conselho cordial, do tipo “não seja professoral”, isto é, não argumente bem,
não fundamente, não seja claro e objetivo. Entre os fatores que facilitaram a
dominação ideológica encontramos o que Pedro Demo qualificou como indigência
teórica[2];
ao lado da ação de grupos organizados e atuantes, valendo-se da licenciosidade
da ética teleológica usando de sofismas denunciados por Arthur Schopenhauer na
obra “A arte de ter razão[3]”.
2.1 – Antecedentes
mediatos ou remotos
O apelo sedutor, do tipo que os gregos
descreveram usando a figura antropomórfica da deusa Bem-Aventurança, mulher
formosa e atraente, que prometia aos que a seguissem colher sem precisar
plantar, além de estrada e cama macias, entre outras coisas. Outra deusa, menos
atraente, chamada Virtude, redarguia dizendo que o verdadeiro nome da formosa
deusa era Mentirosa e exortava a todos: plantem para colher e observem os
valores da virtude, conforme relato de Schwab[4].
Promessa de alcançar o paraíso sem precisar morrer e desfrutar de riqueza já
existente, é retórica apta a fazer prosélitos. A Torre de Babel é exemplo de
inclinação irrealizável, mas atraente, na mente humana conforme Michael Oakeshott[5]. As
origens míticas das ideias políticas são encontradas na invocação de um mundo
paradisíaco em algum tempo passado, condição perdida que deverá ser recuperada
(utopias), em muitas culturas e no pensamento político, segundo Raoul Girardet.[6]
Podemos explicitar o que o autor citado
não mencionou, lembrando o exemplo do comunismo primitivo, sociedade
supostamente sem classes e harmoniosa. Os nossos índios sonhavam com uma terra
sem males, estudada por Rafael Mendes na obra “Terra sem mal”.[7]. O
domínio ideológico, ajudado pelo pensamento mágico, controla a percepção do
modo descrito por Gaston Bachelard como obstáculo epistemológico[8],
ainda que enganador.
Dizer o que as pessoas querem ouvir é
fácil. Uma vez estabelecido um conjunto de referências cognitivas e afetivas se
instala a cegueira dos paradigmas, descrita por Thomas Kuhn[9],
esta pessoa o relacionará as referências aludidas com tudo, aceitando ou
repudiando a realidade conforme se ajuste ou não a este verdadeiro leito de
Procusto, figura da mitologia grega que capturava pessoas e, depois de
amarrá-las em sua própria cama, cortava o pedaço das mais altas, maiores que o
padrão assim estabelecido; e tracionava violentamente os mais baixos, menores
que o limite adotado[10].
Assim é o pensamento cujo lugar de plenitude foi capturado, na mente das
pessoas catequizadas. “O homem que lisonjeia o seu próximo, arma uma rede aos
seus passos”[11].
O pensamento mágico, somado ao desejo de
sentir-se virtuoso e sábio, apontando ou compreendendo a fórmula que permite
conquistar a Torre de Babel ou chegar à Terra sem Males, sempre existiu. Entre
os antecedentes mediatos que pavimentaram o caminho do aparelhamento das
universidades, o pensamento baseado em fantasias e o desejo de aparentar
virtude e sabedoria, conforme conselho de Maquiavel[12],
ou assim se sentir, são fatores antiguíssimos. É a vontade que anima o
“progressismo”, é a volúpia do poder demiúrgico, ao modo de Prometeu, aquele
que pensa antes, mas que apesar de assim se chamar roubou o fogo sagrado do
Olimpo para ter poder, sabedoria e favorecer os homens[13]. A
semelhança com o fruto do conhecimento do bem e do mal, do Gênese[14],
que abriria os olhos de quem o comesse, tornando-o igual a Deus é notória.
Autores consagrados, com admirável argumentação,
adquirem autoridade que é projetada nos seus seguidores. Os erros de tais
autores são omitidos pelos mestres que se aproveitam do prestígio que deles
extraem. Assim “A república[15]”,
obra repudiada pelo próprio autor, quando na maturidade escreveu “As leis[16]”,
não divulgada pelos professores, que ocultam a obra em que o pensador revisou o
próprio pensamento utópico. A vontade de potência, apresentada na obra de
Friedrich Nietzsche[17] é
tão antiga quanto as suas funestas consequências.
2.1.1 – A contribuição
da modernidade
A modernidade modificou o pensamento
mágico, recobrindo-o com uma camuflagem cientificista: o Iluminismo, apresentou-se
como portador de uma cientificidade tão sólida como a das ciências da natureza,
que são dotadas de leis aptas a permitir previsões. As ciências da cultura, todavia,
não são nomológicas. Não descrevem fenômenos deterministas, do tipo que reúne
um conjunto de fatores em condições definidas e aponta um resultado indubitável
(lei em sentido científico). O fenômeno humano poder ser probabilístico, meramente
tendencial ou entrópico. Em condições normais de temperatura e pressão os ácidos
reagem com as bases formando sempre sal e água. O fenômeno humano não apresenta
tal recorrência, conforme exposição detalhada que fizemos na obra “O desfio do
conhecimento histórico”[18].
A ciência é processual. Não é feita de enunciados definitivos. Suas proposições
e teorias têm validade transitória. Quatro modelos diferentes de átomo se
sucederam como válidos em pouco tempo.
2.1.2 – Uso e abuso do
nome da ciência
A adjetivação “científico”, no campo
humanístico, se presta a prestidigitação por parte de quem se coloca como
autoridade. Iluministas pregaram igualdade, liberdade e fraternidade.
Promoveram uma revolução que trouxe a “fraternidade” da guilhotina e uma
“liberdade” que não tolerava outro pensamento que não o seu. Outras revoluções,
aparentadas com o pensamento iluminista, criaram os “mais iguais” descritos na
alegoria de Georg Orwell[19];
fenômeno também descrito na obra “A nova Classe” (Milovan Djilas[20]).
A classificação de um discurso como científico tem se prestado à fraude[21].
A ciência apresenta teses falseáveis[22].
Utopias não são falseáveis, não são científicas.
2.2 – Antecedentes
próximos
Nelson Rodrigues criou a expressão
“complexo de vira-lata”, conforme amplamente divulgado. Os “progressistas” conquistaram a hegemonia ideológica
na Europa. Isso influenciou a intelectualidade brasileira e do mundo inteiro.
Acontecimentos sociais e políticos nas “terras civilizadas” impressionam o nosso
mundo letrado. A revolução Bolchevique, vista pela maioria dos intelectuais como
um “avanço”, favoreceu a hegemonia do “progressismo”, categoria aqui usada como
alusão a diversas tradições políticas libertárias, protagonizadas pelos arautos
do “progresso”, categoria teórica a ser discutida oportunamente. A Revolução
Francesa passou o cetro da “vanguarda da História” para a Revolução de 1917.
Pensadores europeus são referência para os nossos intelectuais. A hegemonia
ideológica vigente no Velho Mundo fez escola no Brasil e em escala planetária.
2.2.1 –A ideia de progresso
O “progressismo” não se beneficiou
apenas pelas supostas realizações “grandiosas” das Revoluções Russa, Chinesa e
Cubana. A ideia de progresso supõe a existência de uma marcha evolutiva, um
aperfeiçoamento que leva a um porvir superior. A obra “História e memória[23]”
enumera progressos científico, técnico, de organização política e social como
manifestações de ritmos diferentes. Não fala, todavia, em um estágio superior
decorrente de uma ordem cósmica ou da evolução da condição humana ou das suas
virtudes.
A ideia de progresso humano necessita,
para ser validada, do avanço ou aperfeiçoamento da nossa aptidão (i) para conviver
com os nossos conflitos íntimos; (ii) (ii) com os nossos semelhantes e (iii)
com a natureza. Os nossos contemporâneos não são superiores, em nenhum desses
três pontos, aos contemporâneos de Sócrates (470 a.C. – 399 a. C.). Nenhuma
dessas condições é observável. Progresso é uma formulação frágil e mal
explicada quando se trata da condição humana, sendo, todavia, uma retórica
poderosa. O grande progresso científico; técnico; e da organização social
alimentou a ideia de progresso das virtudes humanas e o sonho de um novo homem
reformado por uma engenharia social.
2.2.2 – A engenharia
social e o novo homem
O homem nasce bom e a sociedade o
corrompe, conforme Rousseau[24].
Fica a sugestão ou insinuação: se aperfeiçoarmos a sociedade o homem será
aperfeiçoado. A vontade demiúrgica de criar um novo homem empreende a
reengenharia social para criar um novo ser. Vontade de potência, aparentando
virtude e sabedoria é um conjunto sedutor. Os “sábios”, porém, não têm
curiosidade de saber quem corrompeu a sociedade que originalmente teria sido
formada por homens nascidos bons. Além disso confiam em uma engenharia social e
antropológica sem base em ciências nomológicas ou duras, apesar dos sucessivos
fracassos de tal empreendimento.
2.2.3 – O trabalho de
organizações internacionais
Organizações políticas internacionais,
comandadas desde as “terras civilizadas” ou desde um centro revolucionário
mundial planejaram e contribuíram muito para a realização do aparelhamento
ideológico das instituições as mais diversas. A Internacional Socialista, em
suas sucessivas fases, atuou como um exemplo de organização política
internacional que pelo menos em alguns de seus momentos se empenhou em planejar
e executar a conquista da hegemonia ideológica, tendo Moscou como centro
decisório, conforme os arquivos soviéticos estudados por William Waack[25].
Sindicatos estratégicos, como ferroviários, bancários, marítimos, portuários,
gráficos – não por acaso – foram aparelhados mais cedo, conforme amplamente
registrado na literatura sobre o tema.
Veículos de comunicação de massa também
foram alvo prioritário. Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados,
já dizia, nos anos cinquenta do século XX, que não se fazia jornal sem comunista[26]. Certamente
a vocação jornalística não era monopólio dos marxistas. É mais verossímil a
hipótese de que tal seletividade fosse fruto de aparelhamento na forma de
triagem ideológica. Os empresários de comunicação, como os de educação, não
souberam ou não quiseram impedir que as suas empresas fossem aparelhadas pelos
“progressistas”, talvez pensando poder controlá-los. Editoras, a exemplo da
Civilização Brasileira, da Companhia das Letras, da Vozes e de tantas outras
quase que só publicavam obras de autores “progressistas”. Paul Johnson, Edmundo
Burke, Thomas Sowell, Michael Oakeshott, Karl Popper, Raymond Aron, Roger
Scruton, José Guilherme Merquior até recentemente não eram conhecidas no
Brasil, seja porque as suas obras não fossem publicadas ou porque as raras
publicações não eram indicadas por professores ou articulistas.
Alguns “burgueses” passaram pelas
universidades e assimilaram o pensamento “progressista” como se fossem
princípios humanitários, aceitando o aparelhamento como “defesa do bem”. A
promoção que “camaradas” ou “companheiros” fazem uns dos outros convence muitos
estudantes, empresários e o público em geral. Outros, por indigência teórica
não percebiam, e ainda não percebem a catequese ideológica nas entrelinhas dos
textos. Existem, ainda, entre os empresários, os que gostam de lidar com
governos socialistas, porque é mais fácil obter favores do Leviatã pagando propina,
do que enfrentar a livre concorrência.
2.2.4 – A secularização
e a politização de igrejas
A influência da Teologia da Libertação
(TL) foi muito grande. A Teologia da Missão Integral (TMI), aparentemente
reforçada pela tese de Rubem Alves[27],
também seguiu o caminho da secularização do pensamento confessional e
metamorfoseou-se em uma filosofia humanista, libertária, valendo-se de
pressupostos antropocêntricos, esquecida do teocentrismo e do sobrenatural. A
influência da TMI, porém, foi pequena, aceita mais nas denominações
numericamente pouco expressivas, das chamadas igrejas frias. A TL fez muitos
prosélitos no clero e nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que se politizaram.
O Concílio Vaticano II (1961 – 1962) foi
convocado quando a URSS estava liderando a corrida espacial. A China anunciava feitos
extraordinários do “Grande Salto”, programa de desenvolvimento do Partido
Comunista Chinês (PCCh), que alguns anos mais tarde se mostraria um grande e
trágico fracasso. A Revolução Cubana parecia incendiar toda a América Latina.
Os partidos comunista e socialista da França e da Itália cresciam a cada
eleição e o colégio de Cardeais do Vaticano era majoritariamente constituído
por italianos e franceses. As guerras de descolonização na África e na Ásia atiravam
os povos destes continentes nos braços da URSS. Parecia que a derrota do
Ocidente, na Guerra Fria, estava consumada. A Cúpula do Vaticano, valendo-se da
experiência histórica da tática de abandonar governos moribundos e alegar,
posteriormente, que a queda dos mesmos se deveu ao rompimento da Igreja, como
no caso da monarquia brasileira[28],
decidiu apoiar quem aparentemente venceria a Guerra Fria.
O Concílio Vaticano II adotou a
secularização e as políticas sociais que o aproximavam dos “progressistas”.
Anos depois a URSS e os seus satélites desmoronaram. A Revolução Cubana não
incendiou a América Latina. Os partidos comunistas e socialista sofreram grande
declínio eleitoral, sendo, em alguns casos, obrigados a mudar de nome para
sobreviver, como o Partido comunista italiano (PCI) e o Partido Comunista
Brasileiro (PCB). Os italianos e franceses já não são maioria no colégio de
cardeais. Até foi eleito papa um cardeal Polonês, anticomunista, depois que os
italianos perderam o monopólio do posto, que haviam detido por muito tempo. A
TL foi então posta de lado.
Havia, contudo, toda uma geração de
clérigos formada na TL, como aconteceria nas instituições de ensino em geral,
onde as novas gerações de professores, formados sob a hegemonia do
“progressismo”, não sabem fazer outra coisa que não seja reproduzir a catequese
a que foram submetidas quando estudantes, reforçada pela leitura de jornais e
de livros publicados de acordo com o viés das editoras. A influência atávica
das origens jesuíticas do nosso ensino, continuada com as influências
positivista e materialista histórica, todas catequéticas e dogmáticas, embora
conflitantes entre si, formaram o caldo de cultura que facilitou o acatamento,
pelos alunos e pelos seus pais, pelos empresários de educação e autoridades
governamentais da catequese ideológica empreendida por professores, jornalistas
e autores promovidos pelo trabalho de aparelhamento das instituições. As
lacunas intelectuais anteriormente aludidas também facilitaram o domínio das
instituições de ensino, das empresas de comunicação e editoras.
Alguns anos depois o mundo mergulharia
na grande crise de 2008. Muitos intelectuais que haviam se afastado dos dogmas
do “progressismo” voltaram apressadamente às próprias origens ideológicas,
afastando-se da dificuldade de ensinar outra coisa, por falta de conhecimento.
A falta de raízes teóricas explica a vulnerabilidade ideológica de
intelectuais, jornalistas, professores, alunos, pais, clérigos e empresários. O
Vaticano também voltou sobre os próprios passos, sob a liderança de Jorge Mario
Bergoglio, o papa Francisco, retomando o caminho da TL.
3 – Algumas conclusões.
A intelligentsia
era, na Rússia Czarista, no século XIX, a vanguarda intelectual. Por extensão,
o vanguardismo intelectual e artístico, em todos os países, é assim designado.
A ideia de vanguarda e o engajamento é o ponto saliente. Intelectuais, no dizer
Sowell[29],
não são os eruditos, os que estudam muito ou têm reconhecida inteligência
superior. Engenheiros nucleares, matemáticos e físicos, inteligentes e
estudiosos, não são intelectuais, salvo se forem politicamente engajados,
militantes da intelligentsia e se
voltarem para outros objetos cognoscíveis que não os desígnios das suas
especialidades, como Bertrand Russel, um matemático que se voltou para a
Filosofia e para a militância política. Jocosamente, há quem diga que para ser
intelectual é preciso consumir drogas e adotar outras práticas divergentes do
padrão social e até biológico. Intelectual designa militantes de “vanguardas”,
engajados politicamente, que têm nas abstrações o objeto das próprias
cogitações.
Quase todos querem ser intelectuais,
embora o prestigioso título não abone o caráter, nem seja indicador de virtudes
morais ou cívicas, nem mesmo de uma lucidez privilegiada ou sequer de erudição.
A intelligentsia é “progressista”. O
vanguardismo claramente indica isso. Títulos universitários contribuem para o
ingresso nos círculos assim qualificados e ter prestígio neles. Também ajudam a
vender livros, publicar artigos e livros, obter financiamento de pesquisa, ser
aprovado em seleção de programas de pós-graduação e em concursos para o
magistério superior. Os integrantes da intelligentsia
citam uns aos outros e viabilizam o chamado impacto das publicações, o que
conta ponto na avaliação do professor e do programa de pós-graduação. Já houve
revista universitária que devolveu artigo recomendando ao articulista que
citasse determinados autores. Isso é aparelhamento que não se limita ao
processo de triagem ideológica, pois envolve também a promoção pessoal dos
integrantes dos grupos que Linda Lewin[30]
denomina cooperativas de poder. A seletividade ideológica se mistura ao
carreirismo das pessoas, pois só são aceitos nas citadas cooperativas de poder
quem segue alguma orientação “progressista”.
O intercâmbio internacional contribuiu
para o aparelhamento. A França, logo após a II Guerra Mundial, ofereceu bolsas
para estudantes do que então era identificado como terceiro mundo. Era uma
glória fazer curso na França. Viagens internacionais não eram comuns, como
hoje. Conhecer a “cidade Luz”, estudar e trazer um título de lá era o máximo. Os
nossos bolsistas ficavam deslumbrados com professores renomados
internacionalmente. Não ousavam ler criticamente os seus escritos, nem se
decepcionavam com aulas proferidas como conferências, sem diálogo com os
alunos, ministrada com a leitura de um texto, coisa que no Brasil
desmoralizaria um professor. Assim também as gerações mais recentes dos
estudantes das nossas universidades se encantam com os professores cheios de
títulos, alguns dos quais obtidos em universidades estrangeiras, e se deixam
catequisar facilmente.
Celso Furtado[31],
em suas memórias, conta que chegando pela primeira vez em universidade
francesa, recebeu enorme bibliografia de um professor. Ficou preocupado diante
de tamanha carga de leitura. No elevador encontrou um patrício, estudante
veterano na mesma instituição, a quem confidenciou seus temores. Ouviu então
que os professores franceses afogavam em facilidade os estudantes do terceiro
mundo. Os brasileiros quedavam-se genuflexos diante dos professores e dos
livros dos franceses. O Partido Comunista Francês (PCF) e o Partido Socialista
Francês (PSF) cresciam. Os estudantes brasileiros voltavam da França “progressistas”,
se já não fossem antes de para lá se dirigirem. Isso muito contribuiu para a
conquista da hegemonia ideológica dos “progressistas” que aparelharam as
universidades. É preciso desmistificar a suposta sabedoria de professores e
autores formados segundo o viés ideológico da promessa de colheita sem esforço.
É preciso diversificar as leituras e as fontes de informação.
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[7] MENDES
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[8] BACHELARD,
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[9] KUHN, Thomas
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[10] KURY,
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[12]
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[13] KURY,
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[14]
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[15]
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[16]
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[17]
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[18]
MARTINHO RODRIGUES, Rui. O desafio do
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[19]
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[20]
DJILAS, Milovan. A nova Classe. Rio
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[21]
SOKAL, Alan; BRICMONT, Jean. Imposturas
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[22]
POPPER, Karl R. Conjecturas e refutações. Brasília: UnB, 1982.
[23]
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[24]
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[25]
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[26]
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[27]
ALVES, Rubem. Towards a Theology of liberation. Defendida no Priceton
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[28]
Ver “A questão religiosa” e a crise política da monarquia brasileira.
[29]
SOWELL, Thomas. Os intelectuais e a
sociedade. São Paulo: Editora É realizações, 2009.
[30] LEWIN,
Linda. Política e parentela na Paraíba. Rio de Janeiro: Record, 1993.
[31]
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