CULTURA, RELIGIÃO E POLÍTICA
Religião e política se relacionam desde
sempre. Crimes contra o Estado, na Grécia Antiga, era um delito religioso
contra a divindade protetora do Estado (Arno Dal Ri Júnior, em “O Estado e seus
inimigos”). A legitimidade fundada na representação popular afastou o direito
divino dos reis e contribuiu para o advento do Estado laico. Guerras
religiosas, causando severas perdas humanas e materiais, desencorajaram o
argumento confessional como base da legitimidade política. O falibilismo de
John Locke (1632 – 1704, “Cartas sobre a tolerância”), abriu caminho para o
reconhecimento da divergência e da alternância de tendências políticas no
Poder.
O Estado laico, porém, não veio proibir
manifestações confessionais, mas tornar livres todos os cultos, dissociando-os
do processo de legitimação da política e da obrigação de seguir algum culto
adotado pelo Estado. A Revolução Francesa, feita contra o trono e o altar,
favoreceu o deísmo, em detrimento do teísmo, promovendo a descristianização da
França (Dicionário crítico da Revolução Francesa, de Mona Ozouf, 1931 – viva; e
François Furet 1927 – 1997). A tolerância foi praticada pela Revolução Gloriosa
de 1688, na Inglaterra. A Revolução Francesa prometeu fraternidade, mas abusou
da guilhotina e, embora seja vista como laica, praticou o proselitismo deísta,
reprimindo o teísmo, introduzindo assim uma religião civil, política ou
secular. Usamos a categoria teórica religião de Thomas O’Dea, 1915 – vivo, “Sociologia
da religião”), que conceitua religião como uma cosmovisão dotada de
radicalidade, totalidade e transcendência. Estes três atributos podem
prescindir do teísmo e até do deísmo.
A proposta de tolerância e inclusão de
um certo laicismo de hoje, como a “fraternidade” e a “liberdade”
revolucionárias dos franceses, que abusou da guilhotina e reprimiu o teísmo
cristão, prega tolerância, diversidade e a inclusão, mas procura limitar a
cidadania de cristãos, como se estes cidadãos não pudessem exercer plenamente a
cidadania. A ética da responsabilidade e a ética da cidadania (Karl E.
Maximilian Weber, 1864 – 1920), a primeira na vida privada e a segunda no
exercício do múnus público, conciliam a participação de cristãos com o Estado
laico. A representatividade política, esteio da legitimidade democrática, só
tem a ganhar com a participação na vida pública de cidadãos integrantes dos
diversos grupos sociais, inclusive das correntes confessionais. Grupos
confessionais estatisticamente sub representados nas instituições democráticas,
não constituem ameaça. Exclui-los da cidadania plena não se harmoniza com a
democracia.
O Estado laico é
garantia de liberdade de culto para todos os grupos confessionais. Não pode ser
invocado para restringir a liberdade de consciência ou discriminar
negativamente algum grupo específico. Na França, atualmente, em nome do Estado
laico, retiraram uma cruz de um monumento e os estudantes foram proibidos de
usar símbolos religiosos. O trânsito de veículos, porém, pode ser proibido para
a realização de cultos islâmicos. A quebra da isonomia revela a discriminação
oculta sob o argumento laico.
Não se pode questionar
a crença de postulante a cargo público. Até a obrigação de serviço militar
respeita a objeção de consciência (lei 4.375/64) e isso nunca foi contestado. Na
sabatina de um indicado para o STF, não se discutia tal coisa. Não se debate a
filiação confessional dos atuais ministros do STF, nem sequer no tocante às
religiões civis, que tratam de concepções políticas. Uma maioria parlamentar
confessional, que optasse pelo desarmamento civil ou por abolir a pena de morte,
teria a legitimidade da democracia representativa. O laicismo não afasta a
representatividade, dentro dos limites das garantias constitucionais. A cultura
da intolerância e da exclusão não se insinua só no meio das religiões
eclesiásticas. As religiões civis são até mais intolerantes e excludentes.
Fortaleza, 11/12/21.
Rui Martinho Rodrigues.
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