UM DILEMA ECONÔMICO
Dilemas, do pondo de vista filosófico, na perspectiva da lógica sentencial,
são raciocínios que têm como base duas proposições divergentes e excludentes,
exigindo necessariamente a uma escolha, devendo chegar a uma conclusão decorrente
tanto da premissa adotada como da rejeitada, uma vez que a escolha por exclusão pode
se fazer presente. Os dois termos antecedentes, do conjunto dos termos do dilema são
condicionantes e o terceiro uma disjunção (J. Ferrater Mora, 1912 – 1991). A conclusão
pode ser uma disjunção, uma afirmação ou negação. O dilema é de natureza ética
quando envolva valores axiológicos em conflito, que é uma pretensão resistida. As
condições transcendentais do agir moral são a existência de normatividade moral;
capacidade e consciência do sujeito da conduta; e liberdade do agente (Immanuel Kant,
1724 – 1804).
A economia é o lugar por excelência das escolhas nas condições
mencionadas. Os agentes econômicos não fazem tudo o que querem, nem somente o
que desejam. Mas algumas escolhas, ainda que entre opções pouco atraentes, são
realizadas nas transações diárias. Consumidores, investidores e autoridades econômicas
decidem com variado grau de satisfatividade, conforme sejam total ou parcialmente
atendidos ou inteiramente negados os seus interesses, paixões e valores.
A pandemia paralisou ou restringiu severamente grande parte da economia.
O primeiro dilema foi limitar as atividades que propiciavam a propagação do vírus,
ainda que prejudicando a economia. Salvar vidas, prioridade maior da que a economia,
foi a escolha em todo o mundo, em maior ou menor grau. A medida compensatória, na
forma de um auxílio emergencial foi a segunda escolha, também irrecusável, nas
circunstâncias. O equilíbrio fiscal foi sacrificado. A inflação, fera impiedosa, não
perdeu a oportunidade de agir em todo o mundo.
Agora a pandemia recua de modo significativo, sem fechar a porta para mais
uma onda em que as parcas (mitologia romana) ou moiras (mitologia grega) virão
surfando. Discute-se o fim do auxílio emergencial, decisão contrária ao interesse
eleitoral de alguns, aos sentimentos e interesses de muitos e à razão de poucos
preocupados com a estabilidade da moeda e o equilíbrio fiscal, cuja falta pode ser
dolorosa para os mais vulneráveis. É fácil conceder um benefício, mas retirá-lo é
politicamente difícil. Então surge a ideia de transformá-lo em programa de transferência
de renda, coisa geralmente aplaudida por muitos, exceto quando possa beneficiar
eleitoralmente o adversário. A bandeira da austeridade fiscal trocou de mãos e de lado.
Quem dizia que desequilíbrio fiscal é o caminho do desastre agora entende que na
presente circunstância ele é o mal menor. Quem achava que austeridade era coisa de
abutres farejando carcaças humanas agora se escandaliza com a flexibilização do
“famigerado” teto fiscal.
Assim caminha a humanidade e o Macunaíma ocupa um lugar de honra no
bloco dos artífices de problemas e de soluções éticas de conveniência. A moralidade de
ocasião não se confunde com a ética da responsabilidade nem com a da convicção. Tem
raízes nos interesses personalistas, embora seja invocada pelos arautos do interesse
público. A instabilidade dos significados recorre, frequentemente, a mutação semântica.
Lembrar que as línguas são vivas, ressignificar as palavras é um poderoso instrumento
de prestidigitação. Vivemos um tempo em que autores de nomeada, buscando arrimo na
sociolinguística, refazem sem cerimônia a língua, aparentando sabedoria conforme
conselho de Nicolau Maquiavel (1469 – 1527).
Fortaleza, 16/11/21.
Rui Martinho Rodrigues.
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