Januário Bezerra
Vem lá da antiguidade grega a frase famosa segundo a qual a virtude está no meio. Equivale à expressão usada pelo nosso caboclo ao afirmar: “nem com tanta fome ao prato nem com tanta sede ao pote”. O exagero, portanto, convém evitar. E no mais das vezes, significa inversão do resultado pretendido. O brasileiro é criativo. Nunca fica sem uma solução. Embora ao preço de um problema maior, vez por outra.
Não faz muito tempo, a SUDENE, a pretexto de estimular a formação de capital no processo de industrialização regional, alterou a legislação para que sociedades anônimas enquadradas na chamada “faixa ‘a” de prioridade para a região pudessem ter, no seu capital, até 75% de ações sem direito a voto. Foi o bastante para o surgimento de incontáveis projetos megalomaníacos lotando os recém-criados distritos industriais, tudo por conta do incentivo fiscal que se fez conhecido pelo binômio “34 & 18”, cuja comissão de corretagem (legalmente fixada em até 4%) não tardou subir a 50% ou muito mais [por fora, como se diz], enquanto proliferavam projetos faraônicos no órgão de fomento criado em 1959.
Peço permissão para lembrar: na empresa em que apenas 25% do seu capital delibera, em assembleia geral, o proprietário precisará tão somente de 12,5% de ações votantes e mais uma ação do tipo para ser, incontestavelmente, o legítimo dono do negócio. É oportuna a indagação: em tais condições, há alguém disposto a correr todos os riscos econômicos, financeiros e jurídicos de um grande empreendimento industrial?
Projeto houve no qual, segundo se comenta ainda hoje, a tramitação foi regada a brindes [e outros mimos] distribuídos a gregos e troianos, que podiam variar de canetas Parker em ouro puro a um automóvel Galaxie 500 – o mais sofisticado automóvel de luxo até então lançado no mercado brasileiro. Comentou-se, à época: a simples tarefa de trasladar o processo da sala “a” para a sala “b” era suficiente para assegurar ao portador o direito a brinde, ou... E aqui eu lembraria: não sendo identificado o santo, o milagre pode ser mencionado sem o cometimento de sacrilégio. Quem não se lembra do chamado “milagre brasileiro” dos anos setenta, ainda vivo, certamente, na memória nacional? Aquela época foi pródiga, também, na consolidação de 5 séculos da mais endêmica prática de falcatrua e impunidade.
Esta lembrança, que há dias me perseguia, corre à conta de novos tempos, em que muito se fala de delação premiada, acordo de leniência, e outras tantas novidades no modus operandi da prática judicial brasileira, na razoável expectativa de passar o país a limpo. Nestes últimos dias, parece iminente a tentativa de evisceração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, cuja história de criação ficou narcisisticamente contada pelo ex-ministro Roberto Campos, nas 1417 páginas do seu luxuoso livro de memórias A Lanterna na Popa.
Um acordo de leniência no valor de bilhões, com possibilidades de dobrar o quantum ao longo do seu cumprimento, como ficaria em face de uma sedimentada cultura do inadimplemento? Se o Poder Público recebesse, efetivamente, as penalidades pecuniárias aplicadas com o estardalhaço e a expressão numérica que se vê em alguns casos, o erário, certamente, não saberia mesmo o que é míngua.
E a indagação acima se faz com respaldo em fatos recentes como, por exemplo, a mirabolante transformação de um abatedouro comum, no Brasil Central, na mais opulenta indústria de proteína animal do planeta, com atuação em centenas de países, através de imensa rede de frigoríficos industriais. E tudo isto se deu em menos de três lustros.
Ao que se sabe, enquanto era formalizado o acordo sem precedentes, pelo menos na expressão pecuniária e em seus reflexos na política partidária nacional, os dirigentes da holding especulavam maciçamente com ações de suas próprias empresas e com o dólar, de modo a rechear ainda mais o saldo bancário dos dois irmãos-empresários, que também não esqueceram de mudar o domicílio [definitivamente, ao que parece], para a grande metrópole onde a Estátua da Liberdade significa, efetivamente, emblemático presente do povo francês aos norte-americanos, pelo que aconteceu em 1776 na terra de Abraão Lincoln.
A simples prescrição, porém, do remédio e a receita na mão do paciente não garantem sucesso terapêutico. A cura do mal pressupõe, necessariamente, rigoroso acompanhamento de execução da posologia e, se for o caso, escrupuloso controle dos chamados “efeitos colaterais”.
Desculpe-me o leitor pelo tema demasiadamente insípido. Vez por outra, infelizmente, vemos aumentar a nossa cota de incerteza com relação ao futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário