BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS E SUA OBRA
A notícia sobre o livro do Boaventura
de Sousa Santos me faz pensar, considerando o que é dito na notícia e o que eu
conheço dele:
O que o Boaventura de Sousa Santos
chama de "sociedade fascista"? Ele considera que vivemos tempos de
movimentos de massa controlados por fortes partidos de convicção e que isso é
típico da sociedade de hoje? Ele percebe uma forte crença em algum projeto messiânico?
Registra a presença de fortes lideranças personalistas, à frente dos grandes
movimentos de massa a que aludi? Isso seria típico do fascismo, que eu prefiro
chamar de “comunofascismo”. Mas não vejo nada disso.
O festejado autor português, em
outros escritos, lança mão da Física quântica e relativista de um modo que me
faz lembrar o livro do Alan Sokal e do Jean Bricmont (um matemático e outro
físico) cujo título sugestivo é "Imposturas intelectuais" e o
subtítulo é "o abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos",
publicado pela BestBolso em 2014. Os dois autores fizeram uma pegadinha:
escreveram um artigo falando da Física referida e de alguns tópicos da
matemática, dizendo essas coisas que filósofos e outros pensadores que não
sabem nada de Física gostam de dizer, limitando todo conhecimento a uma
mera perspectiva, supostamente com base na teoria da relatividade e na física
quântica. Ao fazê-lo navegam na esteira do "homem que falava
javanês"; desfrutam do prestígio da Física e da Matemática; reforçam a
ideia de que a cognição e valores dependem da perspectiva (de classe), abrindo
a caixa de Pandora e tirando dela, entre outras coisas, a ética teleológica,
que permite tudo a quem se coloca como "do bem".
O artigo foi aprovado pelo conselho
editorial e publicado por uma revista acadêmica de grande prestígio internacional.
Choveu elogios por parte de pensadores de grande fama no mundo inteiro, em
torno dos quais formaram-se "igrejinhas de adoradores". Foi quando o
matemático e o físico escreveram um artigo dizendo que era uma pegadinha. Tudo
o que eles haviam dito sobre Matemática e Física estava errado.
Um filósofo francês muito cultuado
(Jacques Derida), que havia elogiado o artigo, defendeu-se dizendo que não é
físico nem matemático, que sempre usou aqueles argumentos (errados) apenas como
metáfora. Alan Sokal e Jean Bricmont responderam dizendo que não se usa
metáfora de algo menos conhecido, mais estranho à cognição de quem escuta, para
explicar coisa mais simples. A polêmica causou impacto e os autores da
pegadinha escreveram o livro sobre as imposturas intelectuais.
Eu não havia lido o livro a que estou
me referindo e já achava estranho que tudo fosse tratado como mera perspectiva,
sem uma separação do tipo de proposição de que se trata. Afinal, quem fala em
verdade precisa esclarecer se está se referindo (i) à verdade lógica, (ii)
objetiva, (iii) moral ou (iv) à ontológica. Parece claro, que
a verdade lógica paira acima disso, salvo se nos apegarmos aos erros de
verificação, que não devem ser postos como insuperáveis. Quem diz que se
"A" é maior do que "B", e "B", por sua vez, é
maior do que "C", então "A" necessariamente será maior do
que "C" está dizendo uma verdade incondicionada, pois se
"A", "B" e "C" etc, apresentam essa ordem de
grandeza está se referindo às grandezas certas, sem incluir medições deformadas
pela perspectiva, isto é, está se referindo a cada coisa como ela é, não nas
ilusões ópticas de uma perspectiva ou relação. “A” pode ter 8cm, “B” 5cm e “C”
3cm sem condicionamento de perspectiva ou relação.
Falar a respeito de verdade sem
especificar que qual tipo de verdade se está tratando me parece negligência,
paixão ou conveniência. Incomodado com o palavrório sobre Física quântica e
teoria da relatividade, procurei, quando estava em Recife, na UFPE, fazer a
disciplina de teoria da relatividade no curso de Física (no tempo de colegial
eu gostei muito desta matéria), como disciplina opcional do doutorado em
História. Os físicos não aceitaram. Alegaram que não havia tal intercâmbio com
a História e que eu teria de fazer um monte disciplinas previamente necessárias
no campo da Física e, principalmente, da Matemática. Disseram
ainda que a física relativista era disciplina opcional até para os físicos e
que estes raramente se interessavam por ela, por causa da exigência
de Matemática muito avançada e que eu não me preocupasse com o
"besteirol" que o pessoal de humanidades (e até alguns físicos)
diz sobre o assunto, porque é óbvio que os fenômenos de partículas menores
do que o átomo, da física quântica; e os relacionados à velocidade da luz ou
próximas a ela, bem como à desagregação ou fusão de átomos
(relatividade) nada têm a dizer sobre os fenômenos históricos e
sociais ou sobre a cognição ligada a estes fenômenos.
Acrescentaram que a teoria da
relatividade não pode ser expressa em nenhuma língua, circunscrevendo-se
estritamente à linguagem matemática, dizendo que Einstein explicou sucessivas
vezes a teoria referida, sem se fazer compreender por leigos e até físicos
alheios especificamente ao assunto, simplificando cada vez mais a explicação,
até que foi entendido por todos. Mas aí já não era a teoria da relatividade!
Esta não seria relativismo nem relacionalidade, como foi dito na
explicação que todos entenderam, mas que já não era a teoria em questão, em um
livrinho de divulgação científica muito divulgado, escrito pelo próprio
Einstein, seguido de outros autores. Explicaram ainda os professores do
Departamento de Física da UFPE, que a constante da velocidade da luz, que é
independente da posição e da velocidade do observador, que é parte integrante
da teoria da relatividade, contraria a ideia de relação ou relacionalidade,
justamente por ser uma constante independente, pois não interessa para que lado
o observador está se movendo ou se está parado a velocidade da luz em relação a
ele será sempre a mesma. Afirmaram ainda
que a maioria dos físicos não sabe nada da teoria da relatividade.
Quando o Boaventura de Sousa Santos
invocou a teoria da relatividade e a Física quântica, em escritos
pertinentes aos fenômenos históricossociais, lembrei dos positivistas, que
pretendiam explicar estes fenômenos com os parâmetros da Física
newtoniana; do homem que falava javanês, semelhante a teoria que ninguém
entende; das imposturas intelectuais. Deplorei a atitude do português renomado.
Lamentei mais ainda que ele seja tão festejado.
Fortaleza, 10 de janeiro de 2017
Rui Martinho Rodrigues
Publicado no blog da ACLJ
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