A PÓS-VERDADE
Andam
falando em pós-verdade como um fenômeno recente e de natureza popular, de gente
simples, situada abaixo dos “esclarecidos”. Mas o relativismo cognitivo, como o
axiológico, não é recente nem de origem popular, é coisa de intelectual. Seus
primeiros mestres foram os sofistas, integrantes da fina flor da
intelectualidade grega. Contemporaneamente os pós-estruturalistas e filósofos
da linguagem em geral são os arautos do relativismo cognitivo e axiológico. A
impostura intelectual não em invocar a física quântica e a relativista para
fundamentar o relativismo cognitivo extremado, a exemplo do homem que falava
javanês, da nossa literatura.
Subitamente
a negação da verdade trocou de nome: passou a ser pós-verdade. Foi renegada
pelos seus relativistas mais ardorosos. Deixou de ser “do bem”, virou “do mal”
e passou de expressão da sabedoria a sinônimo de ignorância.
A
mudança abrupta coincide com o Brexit, a eleição, o surgimento de uma tendência
contraia à globalização, à União Europeia, impulsionada pelo nacionalismo e
pelo protecionismo e a eleição do Trump.
O
protecionismo descende do mercantilismo, praticado do século XV ao XVIII, tendo
ganho respaldo doutrinário no século XVII. O mercantilismo industrial francês,
ou colbertismo, do ministro Jean-Baptiste Colbert, de Luís XIV, era protecionista
e estimulava as exportações em busca de saldos comerciais positivos, com base
na intervenção do Estado absolutista na economia. A vertente espanhola visava a
acumulação de metais preciosos. Os britânicos buscavam no livre comércio o
caminho para o crescimento econômico.
A
globalização tem parentesco com o livre comércio do mercantilismo inglês. O
protecionismo oposto ao globalismo tem alguma semelhança com o colbertismo,
invocando o Estado intervencionista. Os “esclarecidos” eram críticos acerbos da
globalização, eram nacionalistas, protecionistas e adeptos do Estado dirigente.
Quem se opunha a estas teses tinha que ser “do mal” ou um idiota manipulado
pela “grande mídia”. Semearam vento e estão colhendo tempestade.
Eis
que de repente os “esclarecidos” condenam o nacionalismo, defendem a União
Europeia e a globalização, repudiam o protecionismo alfandegário; se colocam do
mesmo lado da “grande mídia” e do “famigerado grande capital”; e até abandonam
o relativismo cognitivo execrando a “pós-verdade”. Herdeiros dos sofistas, só
reconhecem conveniência e retórica convincente, aludida como “narrativa”, os
que paradoxalmente se apresentavam ao mesmo tempo como “esclarecidos” e como
relativistas extremados, agora defendem dogmaticamente a globalização, combatem
o nacionalismo e repudiam o protecionismo invocado pelos críticos do globalismo.
Tudo sem nenhum rubor na face. É a prevalência de alguns interesses sobre a
razão, em ambos os lados, em ambos os momentos.
Caiu,
todavia, o argumento de que os “alienados” fossem levados pela “grande mídia”.
Esta colocou-se do outro lado dos resultados das votações surpreendentes na
Inglaterra e EUA.
Duro
é reconhecer que a globalização beneficiou mais as massas dos países
periféricos do que as dos países centrais. Os “esclarecidos” não confessam, nem
diante da forca, que o próprio discurso nunca foi verdadeiro, mas instrumento
de conquista do poder.
Fortaleza,
28 de novembro de 2016
Rui
Martinho Rodrigues
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