A CEPLAC É
ÚNICA
UMA CONTRIBUIÇÃO À REVITALIZAÇÃO
DE UMA INSTITUIÇÃO, ONTEM MODELO E, HOJE, AMEAÇADA DE
EXTINÇÃO.
Luiz Ferreira da Silva, 79
Pesquisador aposentado
da CEPLAC
Ex-Diretor do CEPEC
(1979-81), ex-Chefe da CEPLAC/Amazônia (1982-85) e ex-Coordenador-Adjunto
(1986).
Cel.
99313-1030
De vez em quando, ouço falar
que a CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira) não tem mais
sentido, por confluir suas atividades às da EMBRAPA (Empresa Brasileira Agropecuária
de Pesquisas) ou mesmo com a UESC (Universidade Santa Cruz). No primeiro caso,
pela sobreposição de atividades e, no segundo, por colidir no mesmo espaço
geográfico.
O modelo da CEPLAC transcende
a qualquer instituição rural, quando sob uma mesma cabeça, 4 membros se
articulam de modo sistêmico: Pesquisa, Extensão, Ensino e Apoio ao
desenvolvimento.
Os resultados comprovam tal assertiva,
incluindo a formação de uma mão-de-obra de excelência nos 3 pilares dos
recursos humanos: técnico, operacional e administrativo.
Esta concepção de interação
de atividades voltadas ao homem do campo mereceu reconhecimento no pais
(EMBRAPA) e internacionalmente (IICA/OEA), ficando gravada nas palavras do
Presidente Geisel quando assim se expressou: - Feliz do Brasil se tivesse
várias CEPLACs.
Esta é a Instituição que me
formou e, que hoje, vem se deteriorando a olhos vistos, sendo até ameaçada de
extinção, haja vista a insensatez dos governos pós-revolução.
O primeiro mau sinal foi o
encaixe no MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), à
martelo, como um corpo estranho e sem importância. Uma figura díspar numa
estrutura mais voltada a funções normativas e de fiscalização.
Ao invés desta irrelevância,
o MAPA poderia preencher uma lacuna – a presença pública no meio rural
atendendo sobretudo aos pequenos e médios agricultores, criando um Instituto, a
exemplo de tantos outros existentes em outros Ministérios – INPE (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais); INPA (Instituto de Pesquisas da Amazônia) –
poderia preencher uma lacuna existente no MAPA, ao tempo em que fecharia o
círculo de abrangência de suas ações agropecuárias.
Refiro-me sucintamente a um
Órgão com os mesmos segmentos existentes na CEPLAC, acrescido de uma Unidade de
Cooperativismo ou Associativismo Rural, pela necessidade de se poder inserir a
pequena produção na economia de mercado, tornando-a competitiva. O seu “core”
seria os cultivos tropicais perenes das regiões vocacionadas para o cultivo do
cacau (Sul da Bahia, Rondônia e Transamazônica), com ênfase em sistemas de
agricultura conservacionista e manejo do solo e da água; levantamento e
monitoramento dos recursos naturais; ecologia florestal, sobretudo da Mata
Atlântica; e recuperação de áreas degradadas.
Haverão de perguntar: E a
EMBRAPA? Não haveria nenhuma superposição de atividades com a EMBRAPA, que é
uma empresa vinculada ao MAPA, com a função de desenvolver pesquisas
agropecuárias, não se constituindo em um Órgão público, como seria o Instituto
referido. Pelo contrário, poderia haver trabalhos em parcerias, sem qualquer
competição.
A diferença fundamental dessa
nova CEPLAC é a sua institucionalização como Órgão voltado ao agricultor,
independentemente da sua condição social e econômica, até com mais enfoque à
média e pequena produção, através de um sistema integrado de ação (pesquisa,
extensão, ensino e organização do produtor e da produção), diferentemente da
EMBRAPA, que é uma empresa, além de se constituir num valioso subsídio do
governo ao meio rural, através de seus resultados. O braço público, pois, no
meio rural, e mais ainda pela interação, subsidiando às outras ações do MARE,
sejam as normativas, sejam as de coordenação.
Com a consecução desse órgão
(Instituto, Centro, Fundação), o MAPA também estaria em condições de apoiar
atividades de outros Ministérios, como o da Reforma Agrária e o do Meio
Ambiente.
É de bom alvitre reforçar
ainda mais a diferença entre as duas Instituições para melhor elucidação. A
EMBRAPA possui diversos Centros de produtos, tais como soja, fruticultura e
mandioca, arroz e feijão, dentre outros. E adicionalmente, Centros de Recursos
como o dos Cerrados, do Semiárido. Diferentemente, o CEPEC (Centro de Pesquisas
do Cacau), implantado pela CEPLAC em 1962, abrange tanto produtos como
recursos, haja vista as pesquisas e levantamentos tanto nas disciplinas
agronômicas (genética, solos, fitopatologia, fisiologia vegetal, entomologia,
engenharia da produção, tecnologia de alimentos) quanto referentes aos recursos
naturais (Pedologia, Botânica, Climatologia, Fitogeografia).
Dessa forma, o CEPEC, além
das tecnologias de produtos, executa detalhados trabalhos fitogeográficos,
pedológicos e climáticos, além dos acervos importantes como o herbário,
arboretos; de ações ecológicas na Estação Pau Brasil, em Porto Seguro, bem como
a instalação de um fundamental campo de germoplasma, em Belém.
Tudo isso numa mesma unidade
de pesquisa, possibilitando uma melhor aplicação das tecnologias geradas, bem
como facilitando análise e interpretações com vistas a novas ações de
desenvolvimento rural integrado.
Nesse aspecto, para aclarar ainda
mais a concepção integrativa da pesquisa no CEPEC, é preciso se ter esta
consciência que o CEPEC é muito mais que qualquer centro de produto, tentarei
explicar na seguinte hipótese, a seguir:
Suponhamos, como exercício, que
um rico Chinês, assessorado por técnicos, deseja plantar uma determinada
espécie (chamemos de Shiguiling) no Sudeste da Bahia. Reúne-se com os técnicos
do CEPEC, que nunca viram falar da tal planta, mas conhecem a área. O Pedólogo,
conhecedor dos solos, com mapas e dados nas mãos, pergunta como são os terrenos
de lá e, à medida que o Chinês vai descrevendo, o pesquisador vai identificando
as características e diz os locais apropriados para o empreendimento. Em
seguida, o Climatologista solicita informações concernentes e então também
aloca as áreas propícias. O Edafólogo com as informações das exigências
nutricionais, também desenha uma fórmula aproximada. O Fitopatologista e o
Entomologista captam as informações e definem as estratégias de ação para as
doenças e pragas informadas, pois sabem da interação com as nuanças biológicas
dos nichos ecológicos. Mesma coisa o Economista e o Sociólogo, com relação à
mão-de-obra, mercado, transporte. E, assim por diante, Fisiologistas,
Engenheiros da produção, Tecnólogos de alimentos, Fitotecnistas,
Extensionistas, Educadores vão colhendo dados pertinentes.
Em síntese, o grupo pode
formatar um pacote tecnológico para começar, com base na “Opinião Correta” (O
que Sócrates discutira com Meno, desenvolvendo a ideia da opinião certa,
valorizando-a em relação ao conhecimento), com alta capacidade de acerto. Um Centro
só de produto (Mandioca, de Soja ou de Caju) não teria essa capacitação de
conjuminar recursos com produtos com tal possibilidade de êxito.
Em síntese, nenhum Centro da
EMBRAPA possui a magnitude do CEPEC, com sua complexidade multidisciplinar e
uma rede diversificada de estações experimentais. Talvez, por esta razão ela
nunca se interessou em absorvê-lo, como muitos apregoavam. Mesma coisa
aconteceu com relação ao café - excelência
científica no IAC - cujo produto não consta
em nenhum centro específico assemelhado aos de produtos.
Por outro lado, em razão da
penúria em que se encontra a CEPLAC, há quem advogue uma fusão com a UESC, criando-se uma grande
Universidade que se incumbiria do desenvolvimento regional, além de suas
funções de ensino. A princípio, parece uma boa ideia, mas a história não tem
mostrado isso, além das funções ceplaqueanas ultrapassarem os limites da Bahia.
O meu colega e saudoso amigo, Dr. Jorge Vieira, que amava as duas Instituições
e se preocupava com o futuro delas, sempre discutia comigo essa saída que, na
sua concepção, seria exequível.
Há, no entanto, uma série de óbices que parecem
inviabilizar essa ideia; senão vejamos:
* Lembro-me do Dr. Paulo Alvim,
há mais de 50 anos, que criticara Viçosa, sua Escola, pela miséria que
continuava a existir nos arredores da Universidade, sem que ela tenha
modificado nada, tempos depois que ele retornou à ESAV. Mesma coisa, acontece
na baixada fluminense, com a desvinculação da Universidade Rural do Brasil,
onde me formei. Outros exemplos dessa inocuidade: Cruz das Almas, BA; Areias,
PB; Dois Irmãos, PE.
* Quando
a EMBRAPA foi criada, lembro-me da preocupação existente, pois participei como
assessor, de se implantar um modelo, no qual as Universidades forneceriam as
pesquisas básicas acopladas às aplicadas, que seriam da responsabilidade dos
Centros de Produtos. Não deu certo e os Centros da EMBRAPA passaram a ser como
o CEPEC, um misto de ciência e tecnologia e, inclusive tiveram que ser criados
os de Recursos, pela impossibilidade de contar com as Universidades, na
magnitude pretendida.
* Uma
vez, o CEPEC (eu era o seu Diretor) tentou junto às Universidades do Sul
estabelecer acordos de pesquisas, incumbindo-as de ciência pura em projetos
biológicos ligados à phythoptora, utilizando os estudantes de pós-graduação, na
busca de informações que se acoplassem às tecnologias, melhorando-as.
Simplesmente, analisando a complexidade - estudo de polifenóis (por exemplo) -
disseram que os projetos da estudantada tinham tempo definido de obtenção de
resultados e já formatados em temas que dariam certo, pois havia o compromisso
de formá-los, não podendo haver uma incerteza com pesquisas que poderiam
demandar muito tempo para se obter informações de apoio às tecnologias (pesquisas
aplicadas).
* Sem o
compromisso com a tecnologia vinculada ao agricultor, as Universidades têm
priorizado os estudos sem quaisquer relacionamentos com a sua aplicação direta,
mas voltados à pesquisa básica, porém sem o casamento com a pesquisa aplicada.
E, ademais, no atual momento, elas têm um compromisso com a pós-graduação, uma
espécie de fábrica de mestres e doutores. Dentro desse raciocínio, as duas -
CEPLAC e UESC - poderiam até se complementar, mas não como está acontecendo:
duplicidade de laboratórios e uma concorrência despropositada, como me foi
passado, pois estou 23 anos afastado da região.
* Diferentemente
das Universidades, uma organização como a CEPLAC opera assemelhada às
denominadas de P&D. Alguns exemplos reforçam esse raciocínio. O Estado de
São Paulo possui excelentes Universidades (USP, Campinas, UNESP), entretanto é
o velho (125 anos) IAC-Campinas quem dá suporte ao agricultor; no Paraná, o
IAPAR; em Pernambuco, o IPA; em Minas Gerais, a EPAMIG; no Rio de Janeiro, a
FIOCRUZ.
Assim
colocada a ideia de uma nova CEPLAC ou o seu retorno aos idos da década de 90,
creio ser importante discutir por que a região sul baiana ficou omissa ao
desmantelamento de tal patrimônio, construído por sua própria sociedade?
Não se
pode deixar de analisar o que chamo de “síndrome
destrutiva sul-baiana”. A sociedade sulbaiana se omitiu ou permitiu destruir
Organizações como o ICB, a SULBA, o CNPC, o Sistema Cooperativo, a Itaísa.
Agora, para muitos, a CEPLAC já era e a UESC é o novo xodó, que deverá ser a
bola da vez, daqui uns anos mais, a se confirmar esse aparente determinismo.
Eu chego
a pensar que se a CEPLAC, ao invés do eixo Itabuna-Ilhéus, fosse implantada em
Londrina (PR), em Campinas (SP), em Santa Maria (RS) ou mesmo em Campina Grande
(PB), ela não teria chegado a esse estado caótico, pois a sociedade não
deixaria. Anos atrás, o IAC quase foi ao fundo do poço no Governo Maluf, mas se
recuperou e continua sendo o orgulho dos Campineiros, pois a sociedade rural
paulista não permitiu tal insanidade.
Assim,
com base nessas considerações, não parece difícil revitalizar a CEPLAC, sem
muita preocupação, num dado momento, de mexer em quadrinhos e bolar esquemas,
modelos e estratégias gerenciais. Alguns ajustes podem ser feitos, mas o “cerne
continua de lei”.
- É só se ater no que a
Organização realizou em seus primeiros 35 anos de vida:
·
Elevação da produção de cacau em
310%, passando de 123 mil toneladas, nos anos 60/65 para 380 mil toneladas, em
média, no quinquênio 80/85; assinalando um recorde de 457 mil toneladas no Ano
Agrícola Internacional 1984/85 (Outubro/ Setembro).
·
Aumento da produtividade média das
lavouras, de 220 kg por hectare para 740 kg por hectare;
·
Elevação das receitas cambiais de
US$ 50 milhões por ano, no quinquênio 60/65, para US$ 620 milhões, em média, no
período 80/85;
·
O PROCACAU (Diretrizes para expansão
da cacauicultura nacional, 1976-1985) possibilitou, nas regiões cacaueiras do
país, a geração de 80 mil empregos diretos.
·
Na Amazônia, 11 mil homens
sem-terra, migrantes de todos os rincões, transformaram-se, graças à força do
cacau, em prósperos agricultores, cuja produção de 36 mil toneladas, em 1985,
representou o crescimento de 1.800% em relação ao passado, pois antes da CEPLAC
chegar à região, a produção era semi-extrativa e não passava de 2 mil toneladas
anuais;
·
Há também, relevantes resultados no
campo da infraestrutura, com destaque para estradas, pontes, eletrificação
rural, escolas rurais, poços artesianos, indústrias de calcários, etc.;
·
E, mais importante, os investimentos
feitos na área de Recursos Humanos, tais como: formação de mão-de-obra técnica
(Técnicos e Práticos Agrícolas) e em nível de trabalhador rural; e, com
destaque na especialização de seu corpo profissional (Geneticistas, Pedólogos,
Fisiologistas, Economistas, Fitopatologistas, Entomologistas, Educadores
Rurais, Extensionistas.), seu mais importante patrimônio.
·
O resultado alcançado de maior
expressão para a cacauicultura mundial e nacional, foi a formação de um banco
de germoplasma na Amazônia na Estação de Recursos Genéticos "José
Haroldo", no município de Marituba, com 1800 acessos, compreendendo 940 de
origem clonal e 877 seminal. Esse
patrimônio genético está representado por 21.475 genótipos procedentes de 36
diferentes bacias hidrográficas, fonte indispensável de consulta entre todos os
pesquisadores e tomadores de decisão incumbidos de subsidiarem o futuro da
cacauicultura mundial.
- Não
se pode querer que a Organização seja operante no estado atual, cujo debacle começou
depois da extinção da taxa de exportação, quando ela foi absorvida pelo MAPA, sem
que a sociedade cacaueira, que a custeou, exigisse de direito o mesmo padrão de
qualidade. Não, omissão total e continuou assim, passando a atacar e denegrir a
Instituição, chutando-a como um cachorro morto.
- A continuar como está,
só para manter as aparências, não é legal e honesto, até em respeito aos seus
servidores que a construíram com abnegação, suor e compromisso com o meio
rural.
- De outra forma, havendo
decisão política, cabe ao MAPA criar um Grupo de poucas pessoas, que tenham
conhecimento técnico, vivência institucional e “visgo” do produto, para em uma
“sentada” e com cinco páginas bater o martelo sobre o futuro da CEPLAC. O mote
é azeitar as peças para o retorno da “Fábrica-CEPLAC”. Depois, é depois, e se
vai arrochando os parafusos.
Para tal, é tarefa para a juventude das regiões
cacaueiras da Amazônia (Rondônia e Pará), sobretudo da Bahia, como os novos
produtores emergentes pós vassoura-de-bruxa, que têm demonstrado uma nova
consciência de empreendedores, aos quais reforço a minha convicção de que vale
a pena lutar, junto ao MAPA, pela revitalização desse patrimônio institucional
tão duramente conquistado pelo cacau.
E, finalizando, acredito que hão de perguntar –
“o que esse velho (79 anos), que mora em Maceió, há mais de 20 anos fora da
região, tem a ver com isso? Respondo-lhes sem pestanejar: - “A CEPLAC foi meu
primeiro e único emprego; a minha Escola de aprendizagem técnica; e o meu
vade-mécum de ética profissional”. (Maceió,
20 de fevereiro de 2016)
Nenhum comentário:
Postar um comentário