Veículo: O Povo /
Online Blog/Coluna: Eliomar
Data: 05/11/2015 Tipo de mídia: Internet Link: http://blog.opovo.com.br/blogdoeliomar/ue-e-o-castanhao-nao-iria-resolver-a-solucao-da-seca-no-ceara/
Ué, e o Castanhão não iria resolver a solução
da seca no Ceará?
5 de novembro de 2015 às 12:03Eliomar de LimaCeará, Cidadania, Cidades, Ecologia e Meio Ambiente, Economia, Política, Recursos Hídricos
Com o título “Gestão de Recursos Hídricos em discussão”, eis
artigo do engenheiro Cássio Borges, conhecido por sua defesa do Dnocs
principalmente. Ele questiona a pregação de que o Ceará é o mais avançado em se
tratando de gestão na área dos recursos hídricos e diz os porquês. Confira:
Há uma versão que, há tempos, vem sendo difundida na imprensa,
que o Ceará é o Estado mais avançado em gestão de recursos hídricos do
Nordeste. Os mais eufóricos dizem ser também do Brasil. Avançado em quê?
Pergunto eu. Uma coisa é a fabulosa acumulação de água nos 66 açudes
construídos pelo DNOCS no Estado do Ceará. A outra, é a gestão
(ou administração) desse admirável potencial hídrico do nosso Estado.
Recentemente fui entrevistado por um conceituado jornalista
sediado em Brasília. Sua primeira pergunta foi a seguinte: “O Ceará já foi
considerado o Estado brasileiro que tem a melhor política de água. O
senhor faz restrições à forma que a Companhia de Gestão de Recursos
Hídricos (COGERH) vem conduzindo o assunto. Na sua opinião o que está errado
na política de água do Ceará?
Respondi, e citei como exemplo de má gestão dos recursos
hídricos no Estado do Ceará, o Açude Castanhão que foi construído sem ter
o projeto executivo. Tanto isto é verdadeiro, visto que, até hoje, trinta
anos depois de sua construção, ainda não se sabe qual a sua vazão
regularizada, a principal e mais importante característica hidrológica de
um reservatório que permite definir a sua viabilidade do ponto de vista
técnico, econômico e social
VAZÃO REGULARIZADA DO AÇUDE CASTANHÃO
Até o ano passado, o que se dizia, com todas as letras, era que
a vazão regularizada do Castanhão era de 30 m³/s, um valor expressivo se
comparado com o do Açude Orós, por exemplo, que tem uma vazão regularizada
de 12,0 m³/s. Entretanto, o engenheiro Hypérides Macedo, um dos maiores
defensores de sua construção, afirmou em palestra no Senado Federal, no
dia 10/06/2014, que a “disponibilidade” do referido açude era de somente
10 m³/s. Será que este valor pode ser considerado como o definitivo? Eu
ainda acho, com todo o respeito ao engenheiro citado, que o valor de 12,3
m³/s, referido pelo eminente professor Theóphilo Ottoni Netto, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, em parecer para a SEMACE-Superintendência
Estadual do Meio Ambiente, em outubro de 1992, é o definitivo.
Ainda como prova de que o Ceará não tem as devidas credenciais
para se autointitular como sendo o mais avançada em gestão dos recursos
hídricos da Região nordestina, citei não se ter uma ideia formada quanto a
real vazão necessária para atender a Região Metropolitana de Fortaleza. Já
ouvi dizerem ser da ordem de 9,00 m³/s e até 12,5 m³/s. A informação
oficial que tenho data do ano de1999 quando era de 6,5 m³/s. Naquela
época, ainda não se tinha a Barragem do Castanhão que se sabe, atualmente,
ter sua vazão disponível entre 10 e 12,3 m³/s, mas, até hoje, sem uma
definição oficial, pois diziam ser da ordem de 30,0 m³/s, como me referi
anteriormente. Falta transparência quanto a este assunto. Que gestão é esta
que pode servir de modelo para os demais Estados nordestinos?
Aquele reservatório, sem dúvida, representou um reforço para a
disponibilidade hídrica do nosso Estado, que não se tinha no último
período critico de cinco anos, de 1979 a 1983, fato ocorrido há 32 anos.
Outro período crítico, de quatro anos, foi o de 1990 a 1993, quando foi
construído, emergencialmente, o Canal do Trabalhador para trazer água do
Açude Orós, portanto, há 22 anos, a Região Metropolitana de Fortaleza foi
salva de um colapso.
Ainda poderia citar outro período de baixas precipitações
pluviométricas de quatro anos, a de 1997 a 2000, mas aí, felizmente, a
Região Metropolitana de Fortaleza já contava com o apoio do Açude Orós,
através do Canal do Trabalhador. E viva o DNOCS.
A sequência histórica dos períodos críticos no Estado do Ceará,
acima citados, impeliu-me a seguinte reflexão em relação ao advento do Açude
Castanhão, concluído e cheio no mesmo ano de2004. O pensamento dominante
de que este reservatório poderia fornecer 30 m³/s levou os dirigentes da
Secretaria de Recursos Hídricos e da COGERH aumentar e estimular,
consideravelmente, o consumo de água em áreas, até então não previstas,
no nosso Estado. O objetivo era faturar com a venda da água, chamando isto
de modelo de gestão, cujo fracasso está a olhos visto com a atual crise da
falta de água em todos os recantos do Estado, podendo chegar, à nossa
capital a partir de setembro próximo.
Com o Açude Castanhão adveio, também, o Canal da Integração.
Segundo os seus idealizadores, os dois iriam transformar o Ceará, “não num
Tigre Asiático, mas, certamente, em uma Onça Tropical”, numa alusão ao
oásis paradisíaco que iria se transformar todo o Estado do Ceará. Tudo
isto pela exuberância de água do referido reservatório, fruto da fértil imaginação
de um dos mais fervorosos defensores daquele empreendimento, lançando
mão de expressões de efeito midiático para angariar a simpatia e o apoio
da população cearense às suas teses inusitadas.
RACIONAMENTO DO CONSUMO DE ÁGUA
Esta ideia de que o Estado do Ceará com o Açude Castanhão
estaria com água em abundância, portanto com água sobrando, “para dar e
vender” acabou estimulando grandes consumos deste insumo em sítios e
fazendas ao longo do Canal da Integração. Soube, por exemplo, que em uma
dessas fazendas é retirado do Canal da Integração 2,7 m³/s. Estima-se, a
falta de informação oficiais, que a retirada de água do Canal da Integração já
seja da ordem de, aproximadamente, 4,00 m³/s, quase a metade do consumo de
água de toda a Região Metropolitana de Fortaleza em torno de 9,0 m³/s.
Pelo que sei, este extraordinário consumo, que oficialmente não era
previsto, e vem surgindo aleatoriamente com autorizações oficiais
da COGERH, até hoje não foi suspenso, a exemplo do projeto da Chapada do
Apodi, cujo método de irrigação, com Pivot Central, é inadequado à nossa
Região, face o grande desperdício.
Enquanto isto, se gasta água na Chapada do Apodi para plantio de
bananeira, inclusive em gleba pertencente a alguém ligado a um dirigente do
alto escalão do Governo do Estado (certamente, sem o conhecimento do
Governador). Enquanto isto, a população cearense está sendo intimada a
racionar a água sob pena de seu consumo ser majorada em até 120% do
que exceder do seu gasto médio anual. O justo, paga pelo pecador. Por que
este racionamento não começou há dois anos? Fazer de um assunto sério como
este, que envolve os caprichos da natureza, arriscando a vida e o destino
de quase 9 milhões de cearenses como se fosse um jogo de loteria, é um
absurdo. É inacreditável. Alea jacta est!
* Cássio Borges,
Engenheiro civil, especializado em recursos hídricos e
barragens.
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