Jornalista, é colunista da Folhae autor de um blog na revista 'Veja'. Escreveu, entre outros livros, 'Contra o Consenso' e 'O País dos Petralhas' e 'Máximas de um País Mínimo'.
Escreve às sextas-feiras.
Escreve às sextas-feiras.
Meninas, bicicletai seios nus!
06/11/2015 02h00
Começo pedindo perdão aos decepcionados por eu não ceder esta coluna a uma mulher. Meu feminismo não deixa. Quando a Folha me contratou, entendi que não era em razão de eu ser dotado daquilo a que o ex-ministro do Supremo Ayres Britto, em veredito já célebre, chamou um "plus, um bônus, um regalo da natureza". À época, fiquei em dúvida se ele achava o troço um privilégio ou um apêndice irrelevante.
Até porque, fosse assim, eu teria, por implicação lógica, de enxergar a mulher como um ser "sem plus, sem bônus, sem regalo". E, bem, pedindo as devidas vênias, entendo que mulheres são mais do que homens sem "plus". Sem contar que constituem a minha melhor hipótese de regalo específico mesmo quando me interesso por suas ideias. Às vezes, só quero sexo mesmo. Devo me sentir mal por isso, pedir perdão, tomar banho de creolina?
Nunca me ocorreu que também minhas opiniões tivessem pênis, mas não descarto essa possibilidade por uma questão de rigor intelectual. Confesso, no entanto, que parece estranho procurar a vagina dos textos de Hannah Arendt, de Ayn Rand, de Safo de Lesbos –nesse caso, então, pra quê?
Na sexta à noite, eu estava num café. Passou uma marcha de feministas. Para que um poema de Vinicius fosse ali evocado, só faltava que "bicicletassem". Os seios estavam nus, na cara da sociedade, como luvas de boxe, prontos para o pugilato, em alguns casos ao menos.
Mas seios nus que precisam ser nus para que sejam seios a nu serão nus algum dia de sua própria necessidade de exposição? Na hora, fiquei meio triste. Pensei naquele par como penitentes, condenados a uma luta inglória contra uma servidão abstrata. E eu nunca os tinha visto por esse ângulo sem potência.
Eu lá com a minha caipirinha, num silencioso solilóquio: "Não é preferível fazermos algo bom do que fizeram de nós, libertando-nos de uma predição, a exercer o poder opressor e ressentido das vítimas?". Fosse Nietzsche ou Paulo Coelho, fui interrompido.
Um grupo delas na faixa dos 50, inteiramente vestido, acompanhado de um rapaz (definição de gênero), entra no bar. A mais exaltada manda brasa ao me ver: "Há pessoas que deveriam ser proibidas de entrar num bar". Explica-se: minha opinião contrária ao aborto é publica e conhecida. E aquela era uma marcha em favor do "útero livre" e contra o PL 5.609, de Eduardo Cunha.
Atribui-se ao texto o que nele não está, a saber: criar restrições às hipóteses de aborto que hoje estão livres de pena. É uma mentira. A exemplo do projeto da cura gay, que nunca existiu, também essa é uma bandeira eriçada em nome da fé militante, que não vê mal nenhum em recorrer a uma falácia se for por uma "boa causa" –a "boa causa", entenda-se, é a excreção de fetos. As novas esquerdas ou as "feminázis" não inovam nesse particular. Nas suas táticas, há sempre a inspiração de um bigodudo ou de um bigodinho homicidas –machos, é preciso dizer.
A recente prova do Enem levou o tema do feminismo para a redação. Uma das questões citava Simone de Beauvoir como referência do movimento –ainda que ela tenha sido de um servilismo a Sartre às vezes constrangedor, até quando ia pra cama com outros homens. Estava lá: "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher".
A verdade profunda dessa sentença se revela assim: "Ninguém nasce homem, torna-se homem".
No mais, encerro: "Vós que levais tantas raças/ Nos corpos firmes e crus:/ Meninas, soltai as alças/ Bicicletai seios nus!".
Nenhum comentário:
Postar um comentário