Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

domingo, 29 de junho de 2014

Aves do Rio de Janeiro

Aves do Rio de Janeiro

Poeta Cecília Meireles
NARCISA AMÁLIA
(Rio de Janeiro, 1852 - 1924)

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito...
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...
E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!
É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,
E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!...
- E eis-me de novo forte para a luta.

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JÚLIA CORTINES
(Rio de janeiro, 1863-1948)


Poeta, dentro de ti, desmesurado e arcano,
Ou se cava, ou se empola, ou se espedaça o oceano
De tua alma, que exala um contínuo clamor,
– Brados de imprecações e soluços de dor!

Nele canta e suspira a lânguida sereia
Do Amor; a Mágoa geme; a Cólera estrondeia;
E a essas vozes se prende a dolorida voz
Da Saudade, chorando o que ficou após...

E em torno desse mar, que ulula, e chora, e guaia,
E que o vento revolve e a aresta dos escolhos
Rasga, do mundo vês a indiferente praia...

E acima dele vês a abóbada infinita
Do céu plácido e azul, onde o esplendor dos olhos
Das estrelas, sereno e distante, palpita...

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GILKA MACHADO
(Rio de Janeiro, 1893-1980)


De quem é esta saudade
que meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?

De quem é esta saudade,
de quem?

Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo...

E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,
e esta boca sem um beijo...

De quem é esta saudade
que sinto quando me vejo

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CECÍLIA MEIRELES
(Rio de Janeiro, 1901 -1964)

Imensas noites de inverno, 
com frias montanhas mudas,
e o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.

Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas,
vem para o mundo, e retorna...

E a névoa desmancha os astros,
e o vento gira as areias:
nem pelo chão ficam rastros
nem, pelo silêncio, estrelas.

A noite fecha seus lábios
- terra e céu - guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.

Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.

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ADALGISA NERY
(Rio de Janeiro, 1905-1980)

Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento:
Aquela pedra dormindo, parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu.

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STELLA LEONARDOS
(Rio de Janeiro, 1923 - )


— Quem veste esse poncho
e encobre a cabeça?
Que vivo? Que morto?
Que réu de sentença?

         —Nenhum pobre diabo.

— Debaixo das abas
do imenso chapéu
há o rosto de um diabo
oculto dos céus?

         De um monstro sagrado.


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MARGARIDA FINKEL
(Rio de Janeiro, 1929 -)

Beijar-te. Os pulsos, os dedos,
a palma da mão.
Não dizer palavra.
E permitir que a flor de lótus de mil pétalas
se faça túnica de seda de mil abraços.

Nadar contigo no rio do Tempo.
E na cumplicidade das estrelas amanhecidas
confiar-te o silêncio de mil palavras.
E abraçar-me a ti,
como se abraçasse um campo de trigo dourado.

Beijar-te. Não dizer palavra.
Banhar-me em ti,
no mistério das águas nascentes
das cascatas, em meio ao verde
das florestas internas.

Naufragar em ti.
Seguir tuas correntes marinhas.
Não dizer palavra.

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Judith Grossmann Obituary
JUDITH GROSSMANN
(Rio de Janeiro, 1931 -2012)

esta voz que vive e se esboroa 
contra nítidos vitrais de cor grená, 
esta voz que vive e já retine 
como um selo e sinal de paraíso, 
esta voz puro céu não se confunde 
com escrita, traça ou cupim, 
descolore em líquidos azuis 
toneladas ou resmas de papel, 
mares, lares e túneis de só ir, 
esta voz que jamais se abateu 
por grafias por si próprias se constroem, 
esta voz se eleva e atinge as grimpas 
de prazer gritante ou sussurrado, 
esta voz sem pudor que predomina 
por telhados, ogivas e umbrais, 
esta voz que destrói qualquer cilada, 
impedimentos, álibis, ardis, 
esta voz que se dá a conhecer, 
aqui, agora ou mesmo acolá, 
esta voz quer falar o não-ditado, 
esta voz, esta planta, esta criança,
...que fazer com o que acaba de nascer?

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LÉLIA COELHO FROTA
(Rio de Janeiro, 1937-2010)

É pelos corpos que nos perdemos
de nós mesmos, para nos ganharmos.
É pelos beijos que nos despedimos
para nos encontrarmos pelos olhos.
É pela pele que escaldamos
o que em nós havia de secreto:
e é o nosso corpo entregue um corpo estranho
pois pertence só a quem amamos
por quem morosamente devassamos
o alheamento da carne-
o barqueiro, o pastor que a atravessa
num profundo arremesso vagaroso
levantando ondas, ondas, ondas e ervas
a subir e descer vagas e montes
levando-se com ele à raia clara
onde água a quebrar-se eu me constele
na sua barca, conduzida à praia.


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Escritoras do Rio de Janeiro
Minuta de Diego Mendes Sousa
Da Academia Carioca de Letras

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