Aves do Rio de Janeiro
Poeta Cecília Meireles
NARCISA AMÁLIA
(Rio de Janeiro, 1852 - 1924)
Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito...
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...
E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!
É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,
E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!...
- E eis-me de novo forte para a luta.
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JÚLIA CORTINES
(Rio de janeiro, 1863-1948)
Poeta, dentro de ti, desmesurado e arcano,
Ou se cava, ou se empola, ou se espedaça o oceano
De tua alma, que exala um contínuo clamor,
– Brados de imprecações e soluços de dor!
Nele canta e suspira a lânguida sereia
Do Amor; a Mágoa geme; a Cólera estrondeia;
E a essas vozes se prende a dolorida voz
Da Saudade, chorando o que ficou após...
E em torno desse mar, que ulula, e chora, e guaia,
E que o vento revolve e a aresta dos escolhos
Rasga, do mundo vês a indiferente praia...
E acima dele vês a abóbada infinita
Do céu plácido e azul, onde o esplendor dos olhos
Das estrelas, sereno e distante, palpita...
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GILKA MACHADO
(Rio de Janeiro, 1893-1980)
De quem é esta saudade
que meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?
De quem é esta saudade,
de quem?
Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo...
E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,
e esta boca sem um beijo...
De quem é esta saudade
que sinto quando me vejo
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CECÍLIA MEIRELES
(Rio de Janeiro, 1901 -1964)
Imensas noites de inverno,
com frias montanhas mudas,
e o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.
Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas,
vem para o mundo, e retorna...
E a névoa desmancha os astros,
e o vento gira as areias:
nem pelo chão ficam rastros
nem, pelo silêncio, estrelas.
A noite fecha seus lábios
- terra e céu - guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.
Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.
com frias montanhas mudas,
e o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.
Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas,
vem para o mundo, e retorna...
E a névoa desmancha os astros,
e o vento gira as areias:
nem pelo chão ficam rastros
nem, pelo silêncio, estrelas.
A noite fecha seus lábios
- terra e céu - guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.
Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.
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ADALGISA NERY
(Rio de Janeiro, 1905-1980)
Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento:
Aquela pedra dormindo, parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
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STELLA LEONARDOS
(Rio de Janeiro, 1923 - )
— Quem veste esse poncho
e encobre a cabeça?
Que vivo? Que morto?
Que réu de sentença?
—Nenhum pobre diabo.
— Debaixo das abas
do imenso chapéu
há o rosto de um diabo
oculto dos céus?
De um monstro sagrado.
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MARGARIDA FINKEL
(Rio de Janeiro, 1929 -)
Beijar-te. Os pulsos, os dedos,
a palma da mão.
Não dizer palavra.
E permitir que a flor de lótus de mil pétalas
se faça túnica de seda de mil abraços.
Nadar contigo no rio do Tempo.
E na cumplicidade das estrelas amanhecidas
confiar-te o silêncio de mil palavras.
E abraçar-me a ti,
como se abraçasse um campo de trigo dourado.
Beijar-te. Não dizer palavra.
Banhar-me em ti,
no mistério das águas nascentes
das cascatas, em meio ao verde
das florestas internas.
Naufragar em ti.
Seguir tuas correntes marinhas.
Não dizer palavra.
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JUDITH GROSSMANN
(Rio de Janeiro, 1931 -2012)
esta voz que vive e se esboroa
contra nítidos vitrais de cor grená,
esta voz que vive e já retine
como um selo e sinal de paraíso,
esta voz puro céu não se confunde
com escrita, traça ou cupim,
descolore em líquidos azuis
toneladas ou resmas de papel,
mares, lares e túneis de só ir,
esta voz que jamais se abateu
por grafias por si próprias se constroem,
esta voz se eleva e atinge as grimpas
de prazer gritante ou sussurrado,
esta voz sem pudor que predomina
por telhados, ogivas e umbrais,
esta voz que destrói qualquer cilada,
impedimentos, álibis, ardis,
esta voz que se dá a conhecer,
aqui, agora ou mesmo acolá,
esta voz quer falar o não-ditado,
esta voz, esta planta, esta criança,
...que fazer com o que acaba de nascer?
contra nítidos vitrais de cor grená,
esta voz que vive e já retine
como um selo e sinal de paraíso,
esta voz puro céu não se confunde
com escrita, traça ou cupim,
descolore em líquidos azuis
toneladas ou resmas de papel,
mares, lares e túneis de só ir,
esta voz que jamais se abateu
por grafias por si próprias se constroem,
esta voz se eleva e atinge as grimpas
de prazer gritante ou sussurrado,
esta voz sem pudor que predomina
por telhados, ogivas e umbrais,
esta voz que destrói qualquer cilada,
impedimentos, álibis, ardis,
esta voz que se dá a conhecer,
aqui, agora ou mesmo acolá,
esta voz quer falar o não-ditado,
esta voz, esta planta, esta criança,
...que fazer com o que acaba de nascer?
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LÉLIA COELHO FROTA
(Rio de Janeiro, 1937-2010)
É pelos corpos que nos perdemos
de nós mesmos, para nos ganharmos.
É pelos beijos que nos despedimos
para nos encontrarmos pelos olhos.
É pela pele que escaldamos
o que em nós havia de secreto:
e é o nosso corpo entregue um corpo estranho
pois pertence só a quem amamos
por quem morosamente devassamos
o alheamento da carne-
o barqueiro, o pastor que a atravessa
num profundo arremesso vagaroso
levantando ondas, ondas, ondas e ervas
a subir e descer vagas e montes
levando-se com ele à raia clara
onde água a quebrar-se eu me constele
na sua barca, conduzida à praia.
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Escritoras do Rio de Janeiro
Minuta de Diego Mendes Sousa
Da Academia Carioca de Letras
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