JULIA LOPES DE ALMEIDA, MITO DE LIBERDADE E DO FEMINISMO
Recentemente ao falar sobre literatura a convite da UERJ, tive a oportunidade de surpreender um auditório lotado ao responder qual das escritoras do Brasil mais me surpreendera, pela vida intensa que havia produzido obra original ao longo de décadas de atuação relevante. De pronto respondi com paciência e já me preparando para alguns protestos: – “Julia Lopes de Almeida!”.
Senti certa inquietação entre jovens de 18 a 22 anos: “Quem, quem”? E onde ficam as glórias consolidadas?”.
– “O fato, meus caros ouvintes, vocês que se surpreendem com resposta tão incisiva, é a falta de memória que infelicita nosso país, bem como a frágil intensidade com que determinados vultos históricos são registrados e plasmados dentro da literatura em determinados momentos, alguns vítimas de preconceitos e de falta de visão do seu próprio tempo. Júlia Lopes de Almeida foi decisiva em boa parte do século XX e até no XXI”. Agora, todos festejamos – refiro-me aos que tentam resgatar injustiças como às impostas a ela – o 161º aniversário de seu nascimento. Como contrição, percebam bem, como justiça líquida e claríssima. Só agora, as pessoas parecem se acordar do desterro em que ela foi jogada por tempos quase imemoriais. Julia foi uma das escritoras, talvez a única, de maior sucesso de crítica e de público em sua época. Ela escrevia sobre temas originalíssimos e tinha a coragem de afirmar coisas de que as mulheres sequer deveriam tratar, como a suprema audácia de vociferar que “casamentos deveriam ser feitos em qualquer época da vida, por “contrato temporário”, de um certo número de anos, cinco, dez ou vinte. “Mais ou menos tempo, de acordo com a satisfação pessoal do casal”. Pasmem, Julia emitiu tal audácia em 1910, no livro “Eles e Elas”.
Julia alternava narradores masculinos e femininos. Quando escreve com a voz dela, usa do deboche. Quando na voz deles, o discurso é a insatisfação, como as demandas do casamento. E nos contos de “Ânsia Eterna” (1903) narra – um escândalo para a época – diversos tipos de violência contra a mulher, do abuso sexual de menor a abandono em gravidez indesejada. Julia, por tudo isso, foi o mais reluzente e também polêmica Best Seller de seu tempo.
Foi ainda abolicionista e rara, talvez a primeira em público, feminista do Brasil. Mas ela mesma suspeitaria do seu esquecimento nas entrelinhas, “afinal a história da literatura brasileira foi sempre escrita por homens”.
Julia Lopes de Almeida nasceu no Rio em 1862, mas passou a infância e a juventude em Campinas, estreando na Gazeta de Campinas aos 19 anos. Até sua morte, em 1934, ela produziria incessantemente: crônicas, peças de teatro, romances. Tudo muitíssimo lido pela sua contemporaneidade. Até tentar – outra audácia absolutamente impensável à época, entrar para a ABL.
Ela participou ativamente das sessões de fundação da Academia Brasileira, mas ficaria fora da lista de fundadores, já que seu marido, o poeta e jornalista Filinto de Almeida entrou em seu lugar. Mas ela jamais daria o braço a torcer: sobreviveu da literatura, ganhou bom dinheiro (razoável apenas para os padrões da época ainda acanhada) e construiu bela imagem pública ao cuidar da casa, dos quatro filhos e do marido.
Para encerrar, não posso deixar de citar que a Academia Carioca de Letras ostenta em sua parede principal, um belíssimo retrato à óleo de Julia Lopes de Almeida. Ao tomar posse na ACL há 20 anos apontei o quadro como a ilustração do melhor da mulher a escrever sobre vida carioca.
A maior de suas feministas e a mais adequada representação da coragem de dizer o que em geral as mulheres então jamais diziam.
Ricardo Cravo Albin
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