O DNA DA CRISE INSTITUCIONAL
Contemplar a crise institucional sem “fulanizá-la”
é procurar entender o seu DNA. Pessoas lideram e decidem. Não decidir também
pode ser decisão. Sujeitos podem ser proativos ou reativos, sem deixar de ser
agentes. A metodologia compreensiva de Maximilian K. E. Weber (1864 – 1920, na
obra “Metodologia das ciências sociais”), procura o significado da ação
finalista dos sujeitos.
“Desfulanizar”, porém, não é negar o
protagonismo dos agentes. É buscar outros fatores que podem condicionar, de
modo relativo, a ação dos sujeitos. Evita o maniqueísmo que divide os
personagens em vilões e heróis, o culto à personalidade dos líderes e o embuste
do bode expiatório. Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) dizia, na obra “O príncipe”,
que “fortuna e virtù” decidem o jogo político. O que é “fortuna” no momento? A
CF/88 estabelece limites e possibilidades de ação política. Os atores políticos
não poderiam pensar, por ocasião de sua ação legiferante como constituintes,
nos atores políticos de agora; nas redes sociais; na pandemia; nas
transformações da geopolítica global.
As constituições do século XX, desde a
mexicana de 1917 e da alemã de 1919, são analíticas (contêm matérias outras que
não a organização do Estado ou as relações deste com os cidadãos);
programáticas (projeto de sociedade); e principiológicas (princípios que são
conceitos indeterminados com inúmeras hipóteses de incidência abertas ao juízo
de valor da autoridade); e o controle de constitucionalidade concentrado sob o
alvedrio de um tribunal que deveria legislar apenas negativamente (retirar do
ordenamento jurídico norma inconstitucional).
A Nova Hermenêutica Constitucional
liberta o juiz dos “grilões da lei”. Alega a singularidade do caso concreto e o
caráter abstrato de norma jurídica. Substitui a busca do significado do texto
pela concreção de princípios e, aproveitando-se dos conceitos indeterminados, autorizando
o magistrado a fazer justiça. O art., 5º, inc. XXXV, da CF/88 diz: “A lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão ao
Direito...”. A discricionariedade dos agentes do Poder Executivo ficou subordinada
ao judiciário.
A desconfiança histórica em face da
autoridade aprova a tutela do Judiciário sobre os atos administrativos, apesar
da presunção de legalidade e de legitimidade que estes desfrutam (Sylvia Di Pietro,
“Direito administrativo”). Juízes passaram a julgar até decisões de médicos, a sociedade
tornou-se inclinada a litigar e administradores a dedicar grande parte do tempo
a responder processos judiciais.
Os poderes políticos tornaram-se frágeis
pelo fim do segredo decorrente das câmaras omnipresentes; da vulnerabilidade
dos registros digitais que tornaram públicos os escândalos; e de protocolos
internacionais que devassaram paraísos fiscais. A natureza plural da política e
o contraditório e dividem e fragilizam os poderes políticos. O Judiciário,
todavia, é mais coeso.
O STF dispõe da constituição dirigente,
Nova Hermenêutica Constitucional, conceitos indeterminados e controle concentrado
de constitucionalidade. Tornou-se alvo de demandas políticas as quais atendeu
voluptuosamente. Afastou um presidente da Câmara dos deputados (Eduardo Cunha),
alegando exercer um “Direito extraordinário” (?); legislou positivamente sobre
os passos do juízo de admissibilidade do impeachment
na Câmara dos Deputados; proibiu o presidente Temer de escolher Ministro (do Trabalho).
Temos conflito de competência.
A Constituição é
“fortuna”, não é ação de agentes atuais.
Fortaleza, 4/9/21.
Rui Martinho Rodrigues
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