UMA
PÓS-MODERNIDADE TROPICAL
A
pós-modernidade se caracteriza pelo relativismo cognitivo e axiológico, a
instabilidade e até ausência de referências, o ecletismo sincrético, o
multiculturalismo diferencialista e a ênfase no particularismo em razão da
recusa dos universais, na forma de recusa de grandes narrativas teóricas,
podendo, paradoxalmente, manter velhas e amplas categorias de larga abrangência,
herdadas das aludidas narrativas. A negação da razão, tendo como arrimo a
crítica ao indutivismo e até ao dedutivismo, sendo, conforme a ocasião,
empirista ou racionalista, deixa a força como único instrumento de solução de
litígios. Não é só por influência das redes sociais, da transparência do mundo
decorrente da presença universal de câmaras e de registros eletrônicos
indeléveis que a violência e o acirramento de ânimos estão em alta. É também
pelo relativismo cognitivo e axiológico da pós-modernidade.
Democracia
pode ser tudo que se queira no relativismo da sociedade líquida (Zygmunt
Bauman, 1925 – 2017), sem deixar de ser um poderoso fator de legitimação. Pode
ser casuística, ensejando a Suprema Corte de Justiça mudar de entendimento
conforme a pessoa julgada. Assim, quando o réu se chame Eduardo Cunha, ou Sérgio
Cabral não terá direito a HC, devendo ser preso e se for parlamentar deverá ser
“afastado do mandato”, embora não exista tal figura jurídica. Caso, porém, se
chame Lula, Berardo Cabral, Guido Mântega, Jacques Wagner, Gleisi Hoffmann,
Erenice Guerra, Dilma Rousseff já podemos modificar o entendimento, evitando a
prisão antes do trânsito em julgado e adiando a denúncia para quando houver
provas incontestáveis da materialidade e da autoria do crime.
Tolerância
deve ser proclamada como virtude, mas quando surgir um conservador ou um
liberal a conversa é outra. Pluralismo, paz e amor são valores, mas a “ira
santa”, intolerância e a “indignação cívica” são virtudes “politicamente
corretas” quando se trate de valoração diferente dos comportamentos ou modelos
políticos. Invocamos a lei para todos, mas se temos um líder que é um grande
ícone nas eleições, então devemos colocá-lo acima da lei, preferência
apresentando-o como vítima de perseguição. Afinal não existe verdade, mas
perspectiva. Chegamos assim aquilo que alguns chamam de “ética situacional”,
não importa que isso não seja ética nenhuma.
Defendemos
o Estado como agente da História para o aperfeiçoamento do homem e da
sociedade. Mas podemos, sem nenhum rubor na face, defender a perda do controle
do território e o monopólio da violência quando se trate de vitimizar a
delinquência como produto da sociedade referida por Karl Raymond Popper (1902 –
1994) como aberta. Aí podemos defender um estado mínimo, limitado às políticas
sociais, sem o poder do Leviatã para defender a paz social. Afinal, se não
existe verdade o que resta é a retórica, como queriam os sofistas.
Depois de tudo isso
ainda podemos nos queixar de violência, desde que ela não proceda do
lumpemproletariado, nem da pequena burguesia revolucionária. Em caso de
necessidade podemos invocar a Física quântica ou a relativista, como podemos
falar javanês se algum troglodita atravessar o nosso caminho.
Fortaleza, 28 de março
de 2018
Rui
Martinho Rodrigues.
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