SUICÍDIO COLETIVO
A Argentina era um país próspero, mas
escolheu o suicídio. Entrou numa crise para não mais sair. Nós éramos um dos
países de maior crescimento no mundo, desde a proclamação da República até fins
dos anos setenta do século XX. Os argentinos eram admirados, entre nós, como
povo “politizado”, preparado para “defender seus direitos”, diziam nossos
formadores de opinião. Nós, ao contrário, encontrávamos soluções de compromisso
pelas quais não mudávamos as nossas estruturas e não avançávamos.
Acreditávamos na teoria da dependência,
de Raúl Prebisch (1901 – 1986), com a qual os nossos intelectuais deslumbraram-se.
O subdesenvolvimento, segundo o autor citado, era o lado do avesso do
desenvolvimento, resultado da desigualdade nas relações internacionais. Nelas,
um lado se desenvolvia e ou outro “desenvolvia” o subdesenvolvimento. Uma série
histórica de preços comparados entre bens primários e bens industrializados,
nas quais os primeiros perdiam valor ao longo do tempo, enquanto os últimos
subiam de cotação, eram apresentados como “prova” da divisão internacional do
trabalho como causa do subdesenvolvimento, atribuída ao “imperialismo”.
Não se considerava o valor agregado aos
bens industrializados, nem o subdesenvolvimento como estado original, fato
incompatível com a teoria segundo a qual o subdesenvolvimento é um “desenvolvimento”
prejudicial a quem antes era desenvolvido. Acreditávamos no romantismo
indigenista: os nossos índios eram heróis fortes e bem nutridos, “prova” do
desenvolvimento como estado original e do subdesenvolvimento como o lado
explorado. Não compreendemos que a felicidade simplória pode ser boa, mas não é
desenvolvimento. Este é mais instrumentalizado para oferecer conforto e
segurança.
Ao analisar as “trocas desiguais”,
esquecemo-nos da alta de preço do trigo argentino, antes da queda, quando EUA,
Austrália e Canadá aumentaram a oferta deste produto, segundo o cíclico de
escassez, alta de preço, aumento de oferta e queda de preço. Esquecemo-nos dos
países e dos nossos estados menos desenvolvidos e relativamente isolados, ao
contrário daqueles integrados à economia internacional e mais desenvolvidos, ao
invés de mais explorados.
Uma boa novela deve ter conspiração, vilão,
vítima e salvador. A “politização” dos argentinos, responsável pela ruina
daquele país, era um discurso dotado de todos estes atrativos. Era manipulação
das massas através de partido e líderes hábeis para convencer o povo
confirmando os seus desejos, a exemplo da existência de almoço sem conta, de um
vilão responsável pelas suas frustrações. Era o discurso de quem não fala em produtividade,
em poupar para investir ou em superação das dificuldades pela via esforço. Acreditamos
em riqueza já existente, a espera de ser distribuída. Não fazemos reformas
necessárias; não abandonamos ilusões. Deixamos de ser campeões de crescimento
econômico e caímos na estagnação. Não aprendemos com os nossos erros. O
fracasso das demagogias e utopias não nos serviram de lição. Trágico mimetismo
dos erros argentinos.
Fortaleza, 21 de março
de 2018.
Rui Martinho Rodrigues.
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