CIDADÃOS TUTELADOS
A complexidade da vida
social desafia a capacidade cognitiva dos cidadãos. O gigantismo de empresas
desequilibrou relações. A mudança cultural potencializou conflitos. A
fragilização da família, desprestígio dos pais, clérigos e mais velhos deixou
os grupos primários sem uma instância apta a pacificar litígios. O incremento
de riscos tais como acidentes de trânsito, agressão ao ambiente e o aumento da
demanda por cuidados reforçaram o argumento da necessidade de proteção que é
controle, facilitado pelo desenvolvimento tecnológico.
As constituições
modernas são analíticas (detalhistas), dirigentes, programáticas. Estabelecem
um plano para como a sociedade deverá ser. Estabelecem obrigações de fazer, são
onerosas. Fazem escolhas pelo legislador do futuro. São rígidas, mas não
conseguem impedir emendas que desfazem o programa instituído, porque normas não
pagam contas. São frustradas pela reserva do possível. As constituições
portuguesa e brasileira são exemplos disso. As constituições clássicas, como a
dos EUA e a francesa de 1791, chamadas garantistas, estatutárias ou orgânicas,
estabelecem liberdades, definem obrigações de não fazer e limitam o poder dos
governantes. São sintéticas. Regulamentam pouco. Não restringem escolhas
políticas futuras. Admitem que toda maioria é ocasional; o futuro não se deixa
manietar; não criam despesas, pois se limitam às obrigações de não fazer.
O interesse público é o
fundamento de validade das constituições analíticas, prenhes de matéria
constitucional imprópria (típicas do Direito Civil, por exemplo). A proteção do
hipossuficiente estaria incluída no referido interesse. Hipossuficiente era
quem não podia pagar custas processuais. Passou a incluir até quem não entende
a linguagem de um contrato ou se deixa levar por cláusulas leoninas. A
liberdade negocial passou a ser tutelada pelo Estado. Surgiu o “Direito Civil
constitucional”, Direito Público no qual a regra é a proibição. O que não é
permitido é proibido. Nascia o homem “protegido”, porque incapaz. O ativismo
judicial e a Nova Hermenêutica Constitucional (poder de “flexibilizar a norma
para ser justo”) transformaram o governo das leis no governo dos homens. A
volúpia do poder venceu. A norma escrita já não é garantia. Não há segurança
jurídica. O “incapaz”, que precisa ser tutelado, não é cidadão. Não deve votar.
Governo dos homens “justos”, não das leis, é a tirania dos “reis filósofos”.
Fortaleza, 18/12/17
Rui Martinho Rodrigues
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