Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Barbárie e terror contra o Fortaleza, até quando? (*) Pio Barbosa Neto

 Barbárie e terror contra o Fortaleza, até quando?

(*) Pio Barbosa Neto

 



 

 

Quem inaugura a tirania não são os tiranizados, mas os tiranos. Quem inaugura a negação dos homens não são os que tiveram a sua humanidade negada, negando também a sua. Quem inaugura a força não são os que se tornaram fracos sob a robustez dos fortes, mas os fortes que os debilitaram.”.  (Paulo Freire)

 

 

 

 Não é fácil digerir a violência que a cada dia revela uma tendência travestida de agressividade em tempo real.

Ao que parece não é preciso, pensar que o ato de agredir seja algo restrito a facções e criminosos, afinal, independente de suas opções, de forma clara, o homem se constitui o principal agente da destruição no planeta.

Não há uma violência que possa ser interpretada sem dores, sem lamentos, sem perdas, sem mortes.

“A aproximação da violência física, da violência estrutural, da violência simbólica e das suas várias combinações destroem os seres humanas e, sobretudo, os/as que têm de conviver com a multiplicidade das suas formas”. (Brigitte Bagnol)

“A maior de todas as violências do Estado é o próprio Estado. Ele é, antes de tudo, uma força que sai da sociedade e se volta contra ela como um poder estranho que a subjuga, um poder que é obrigado a se revestir de aparatos armados, de prisões e de um ordenamento jurídico que legitime a opressão de uma classe sobre outra.

Nas palavras de Engels é a confissão de que a sociedade se meteu em um antagonismo inconciliável do qual não pode se livrar, daí uma força que se coloque aparentemente acima da sociedade para manter tal conflito nos limites da ordem. ”( Mauro Iasi )

Se a gente ligar a tv, abrir os jornais, ler as manchetes, o que encontraremos, é um planeta que se degladia quer por ideologias fundamentalistas que matam e que causam o terror, quer, pelo domínio do crime organizado que acentua a cada dia, perdas irreparáveis de jovens dominados pelo tráfico e por escolhas erradas.

 “Sob o manto abrangente de "violência" há uma série imensa e setorizada de atos e práticas. Há a violência contra o meio ambiente, os animais, a mulher, a criança, os idosos; há a violência no trânsito (com índices alarmantes), tudo isso ao lado da multifacetária violência urbana, aquela chamada difusa, que a todos alcança.” ( Dilson Ferreira de Anaide)

Os analistas genéricos, encastelados em números e estatísticas, emitem opiniões mostrando que a "violência" cresceu ou diminuiu, conforme a conveniência, para respaldar ou criticar a política de governo.

Em meio a tantas leituras sobre a violência endógena, interna, intrínseca, que é parte inerente, específica, particular a uma realidade ao qual pertence de forma íntima, os males tantos que suscitam indignação, ira e revolta, assistimos com revolta o ataque criminoso de vândalos, marginais contra os jogadores do Fortaleza após saída da Arena de Pernambuco, onde o Leão do Pici jogava contra o Sport Recife.

No caminho já distante do estádio, entre pedras, bombas caseiras, o desespero de um time manchado pela violência que norteia os campos de futebol, deixou seqüelas e marcas no jogador Gonzalo Escobar que teve trauma cranioencefálico, no goleiro João Ricardo que sofreu cortes no supercílio e no rosto, em Dudu que teve ferimentos nos braços e no rosto, além de Britez, Lucas Sasha e Titi que tiveram ferimentos mais intensos.

O capitão do Fortaleza, Tinga afirmou que ficou desesperado ao ouvir os gritos e ver o sangue de seus companheiros que foram atingidos por pedras e bombas arremessadas por criminosos trajados com camisas da torcida organizada do Sport.

Nas palavras do lateral, “era pra ter sido muito pior. Graças a Deus só cinco pessoas ficaram feridas, nada tão grave.”

Diante da barbárie nua que revela sua face cruel, sanguinária,  que se instala  quase  sem alarde, o cenário  que assistimos, expressa a crise de autoridade que vivemos, na maior parte das vezes, por trás de motivos ditos imperiosos, circunstâncias extraordinárias e outras coisas pretensamente terríveis com que nos convencem a abrir mão de direitos.

Ela cresce sob a batuta do medo e a suposta necessidade de reagir, gerando ainda mais temor  naquele círculo vicioso de uma profecia que se auto-realiza.

Já faz tempo que vimos nos seduzindo por um discurso irresponsável e sensacionalista que prega, a partir do eterno mito da impunidade, a necessidade de mais polícia, mais pena, mais prisão, mais tortura, mais mortes.

Tenho a convicção de que não há guerra de civilizações, há uma luta entre a civilização e a barbárie, a democracia e a teocracia, a liberdade e a tradição. Há um longo caminho a percorrer para impor o respeito pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Pessoalmente, prefiro avaliar o crescimento ou a queda da violência pelo aspecto de percepção coletiva.

Ao  pensar sobre o que assistimos lá fora, imagino que, se faz preciso, avaliar a nossa conduta dentro do seio familiar e fora dele.

Nestes tempos em que assistimos de forma generalizada a construção de linguagens afeitas ao ódio, a discriminação, ao terror, imaginamos que as pessoas passaram a utilizar  a agressividade  como um artifício  para aumenta a autoestima.

Podemos visualizar posturas assim, na política, dentro dos canais de informação, além de desinformação e ignorância que regem a vida de pessoas que em nome de Fake News espalhadas semeiam linguagens marcadas por atos  que suscitam levantes e enfrentamentos em todo o mundo.

Não podemos interpretar a violência com mais violência, não é possível reduzir a agressividade usando a força como escudo e justificativa.

Diante da brutalidade e covardia que disseminaram a revolta de torcedores e personalidades do mundo esportivo, o ex-goleiro do Fortaleza,  Fernando Miguel afirmou: “O futebol brasileiro deveria parar. Não dá mais  para ver isso e achar que está tudo bem. Riscos de vida, como esse, sobem no Brasil  a cada rodada e todos estamos assistindo a tragédias  que se anunciam a bastante tempo”.

O camisa 22 do Ceará,  deixou sua mensagem de solidariedade aos amigos do Fortaleza, dizendo: “ Que vocês voltem para casa, para suas famílias e junto delas  se recuperem  e encontrem força para seguir  em frente.”

Enfim, “ Quem inaugura o ódio não são os odiados, mas os que primeiro odiaram.

Quem inaugura a negação dos homens não são os que tiveram a sua humanidade negada, negando também a sua. Quem inaugura a força não são os que se tornaram fracos sob a robustez dos fortes, mas os fortes que os debilitaram.”( Paulo Freire)

 

 

(*) Professor, escritor, poeta, roteirista

(Textos Complementares – DFA/ A violência em debate  - PBN/ A violência não é instaurada pelos oprimidos- PF)

(Fontes: http://www.revistas.usp.br)

Nenhum comentário: