Barbárie e terror contra o Fortaleza, até quando?
(*) Pio Barbosa Neto
“Quem inaugura a tirania não são os
tiranizados, mas os tiranos. Quem inaugura a negação dos homens não são os que
tiveram a sua humanidade negada, negando também a sua. Quem inaugura a força
não são os que se tornaram fracos sob a robustez dos fortes, mas os fortes que
os debilitaram.”. (Paulo Freire)
Não é fácil digerir a violência que a cada dia
revela uma tendência travestida de agressividade em tempo real.
Ao que parece não é
preciso, pensar que o ato de agredir seja algo restrito a facções e criminosos,
afinal, independente de suas opções, de forma clara, o homem se constitui o
principal agente da destruição no planeta.
Não há uma violência
que possa ser interpretada sem dores, sem lamentos, sem perdas, sem mortes.
“A aproximação da
violência física, da violência estrutural, da violência simbólica e das suas
várias combinações destroem os seres humanas e, sobretudo, os/as que têm de
conviver com a multiplicidade das suas formas”. (Brigitte
Bagnol)
“A maior de todas as
violências do Estado é o próprio Estado. Ele é, antes de tudo, uma força que
sai da sociedade e se volta contra ela como um poder estranho que a subjuga, um
poder que é obrigado a se revestir de aparatos armados, de prisões e de um
ordenamento jurídico que legitime a opressão de uma classe sobre outra.
Nas palavras de Engels
é a confissão de que a sociedade se meteu em um antagonismo inconciliável do
qual não pode se livrar, daí uma força que se coloque aparentemente acima da
sociedade para manter tal conflito nos limites da ordem. ”( Mauro Iasi )
Se a gente ligar a tv,
abrir os jornais, ler as manchetes, o que encontraremos, é um planeta que se
degladia quer por ideologias fundamentalistas que matam e que causam o terror,
quer, pelo domínio do crime organizado que acentua a cada dia, perdas
irreparáveis de jovens dominados pelo tráfico e por escolhas erradas.
“Sob o manto abrangente de
"violência" há uma série imensa e setorizada de atos e práticas. Há a
violência contra o meio ambiente, os animais, a mulher, a criança, os idosos;
há a violência no trânsito (com índices alarmantes), tudo isso ao lado da
multifacetária violência urbana, aquela chamada difusa, que a todos alcança.” (
Dilson Ferreira de Anaide)
Os analistas genéricos,
encastelados em números e estatísticas, emitem opiniões mostrando que a
"violência" cresceu ou diminuiu, conforme a conveniência, para
respaldar ou criticar a política de governo.
Em meio a tantas
leituras sobre a violência endógena, interna, intrínseca, que é parte
inerente, específica, particular a uma realidade ao qual pertence de forma
íntima, os males tantos que suscitam indignação, ira e revolta, assistimos com
revolta o ataque criminoso de vândalos, marginais contra os jogadores do
Fortaleza após saída da Arena de Pernambuco, onde o Leão do Pici jogava contra
o Sport Recife.
No caminho já distante do estádio,
entre pedras, bombas caseiras, o desespero de um time manchado pela violência
que norteia os campos de futebol, deixou seqüelas e marcas no jogador Gonzalo
Escobar que teve trauma cranioencefálico, no goleiro João Ricardo que sofreu
cortes no supercílio e no rosto, em Dudu que teve ferimentos nos braços e no
rosto, além de Britez, Lucas Sasha e Titi que tiveram ferimentos mais intensos.
O capitão do Fortaleza, Tinga afirmou
que ficou desesperado ao ouvir os gritos e ver o sangue de seus companheiros que
foram atingidos por pedras e bombas arremessadas por criminosos trajados com
camisas da torcida organizada do Sport.
Nas palavras do lateral, “era pra ter
sido muito pior. Graças a Deus só cinco pessoas ficaram feridas, nada tão
grave.”
Diante da barbárie nua que revela sua
face cruel, sanguinária, que se
instala quase sem alarde, o cenário que assistimos, expressa a crise de
autoridade que vivemos, na maior
parte das vezes, por trás de motivos ditos imperiosos, circunstâncias
extraordinárias e outras coisas pretensamente terríveis com que nos convencem a
abrir mão de direitos.
Ela cresce sob a batuta do medo e a suposta necessidade de reagir,
gerando ainda mais temor naquele círculo
vicioso de uma profecia que se auto-realiza.
Já faz tempo que vimos nos seduzindo por um discurso irresponsável e sensacionalista
que prega, a partir do eterno mito da impunidade, a necessidade de mais
polícia, mais pena, mais prisão, mais tortura, mais mortes.
Tenho a convicção de que não há guerra de civilizações, há uma luta
entre a civilização e a barbárie, a democracia e a teocracia, a liberdade e a
tradição. Há um longo caminho a percorrer para impor o respeito pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
Pessoalmente, prefiro
avaliar o crescimento ou a queda da violência pelo aspecto de percepção
coletiva.
Ao pensar sobre o que assistimos lá fora,
imagino que, se faz preciso, avaliar a nossa conduta dentro do seio familiar e
fora dele.
Nestes tempos em que
assistimos de forma generalizada a construção de linguagens afeitas ao ódio, a
discriminação, ao terror, imaginamos que as pessoas passaram a utilizar a agressividade como um artifício para aumenta a autoestima.
Podemos visualizar
posturas assim, na política, dentro dos canais de informação, além de
desinformação e ignorância que regem a vida de pessoas que em nome de Fake News
espalhadas semeiam linguagens marcadas por atos
que suscitam levantes e enfrentamentos em todo o mundo.
Não podemos interpretar
a violência com mais violência, não é possível reduzir a agressividade usando a
força como escudo e justificativa.
Diante da brutalidade e
covardia que disseminaram a revolta de torcedores e personalidades do mundo
esportivo, o ex-goleiro do Fortaleza,
Fernando Miguel afirmou: “O futebol brasileiro deveria parar. Não dá
mais para ver isso e achar que está tudo
bem. Riscos de vida, como esse, sobem no Brasil
a cada rodada e todos estamos assistindo a tragédias que se anunciam a bastante tempo”.
O camisa 22 do
Ceará, deixou sua mensagem de
solidariedade aos amigos do Fortaleza, dizendo: “ Que vocês voltem para casa,
para suas famílias e junto delas se
recuperem e encontrem força para
seguir em frente.”
Enfim, “ Quem inaugura
o ódio não são os odiados, mas os que primeiro odiaram.
Quem inaugura a negação
dos homens não são os que tiveram a sua humanidade negada, negando também a
sua. Quem inaugura a força não são os que se tornaram fracos sob a robustez dos
fortes, mas os fortes que os debilitaram.”( Paulo Freire)
(*) Professor, escritor, poeta,
roteirista
(Textos Complementares – DFA/ A
violência em debate - PBN/ A violência
não é instaurada pelos oprimidos- PF)
(Fontes: http://www.revistas.usp.br)
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