Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

TRÊS TEMAS E MUITOS INTERESSES – Parte 01

TRÊS TEMAS E MUITOS INTERESSES – Parte 01

Muito se discute sobre três temas interligados: (i) o exaurimento de recursos

naturais finitos; (ii) o crescimento demográfico como ameaça a sobrevivência da

espécie ou da civilização, segundo a expressão do pensamento neomalthusiano; e (iii) a

mudança climática. Trata-se de um conjunto de preocupações que devem ser analisadas

(a) sob o aspecto científico como (b) sob a perspectiva política. Os temas citados tratam

de fenômenos altamente complexos. A contribuição da ciência, para a compreensão

deles, é indispensável. Deve, todavia, ser ponderada na perspectiva da

incomunicabilidade dos paradigmas, também nomeada como cegueira dos paradigmas,

conforme a escola do racionalismo pós-crítico, na análise de Thomas Samuel Kuhn

(1922 – 1996), na obra A estrutura das revoluções científicas, que explica por que a

comunidade científica sempre foi incapaz de compreender uma teoria radicalmente

inovadora. Devemos, ainda, ponderar a instrumentalização do merecido prestígio da

ciência pelos interesses argentários, políticos e ideológicos.


O debate sobre cientificidade

Galileu Galilei (1564 – 1642), quando inovou no campo das teorias da

gravidade, enfrentou resistência da comunidade científica do meio universitário onde

lecionava. Giordano Bruno, quando ousou apresentar a teoria do universo infinito e

inacabado, foi morto na fogueira também por gente erudita. Louis Pasteur (1822 –

1895), já na chamada Idade Contemporânea, quando apresentou a Teoria Microbiana

quase foi posto em um asilo de doentes mentais. Sigmund Freud (1856 – 1939) foi

expulso do Conselho de Medicina de Viena. Max Planck (1858 – 1847), antes de ter

seus méritos reconhecidos ser laureado com o prêmio Nobel de 1918, enfrentou dura

resistência da comunidade científica quando apresentou suas teorias.


A resistência equivocada e violenta, nos meios científicos, em face da

divergência teórica não foi exclusividade da Idade Média. Pasteur, Freud e Max Planck

são exemplos de intolerância e erro da comunidade científica na Idade Contemporânea.

Ressalte-se que os mesmos erros cometidos pela comunidade científica podem ser

cometidos – com frequência – no âmbito da atividade política e no mundo dos negócios

que se misturam com a produção e a divulgação da ciência.


Tudo isso mostra que a história da ciência é um cemitério de erros, o que

vale dizer; suas proposições são válidas apenas transitoriamente, conforme sentenciou

Karl Popper (1902 – 1994), que afirma claramente: a ciência cresce corrigindo erros.


Basta dizer que quatro modelos de átomos foram reconhecidos e substituídos no curto

período de113 anos, começando com o modelo de John Dalton (1766 – 1844), em 1808;

seguido pelo de Joseph J. Thomsom (1856 – 1940), seguido pelo de Ernest Rutherford

(1874 – 1937) já em 1911. O quarto modelo átomo foi apresentado em 1913 por Nils H.

D. Boh (1885 – 1962). Isto é: a ciência é processual, não definitiva.

O argumento de autoridade e o lugar de fala

A incomunicabilidade dos paradigmas é explicada por Thomas Kuhn como

decorrente dos pressupostos teóricos que direcionam e limitam a percepção e a

capacidade de observação e de análise, além de sofrer influência de interesses os mais

diversos. O pesquisador (i) deseja que o seu relatório de pesquisa ou artigo científico

seja aceito para publicação, (ii) que o seu projeto de pesquisa encontre financiamento,

(iii) que o aceitem como consultor ad hoc, que (iv) os seus trabalhos sejam citados nos

artigos das revistas científicas.


Tudo isso influencia e pode distorcer a pesquisa. Estudos podem ser feitos

para satisfazer financiadores ou agradar examinadores. A divulgação de pesquisas

também é influenciada por diversos fatores. Ao longo do “corredor polonês”, que passa

por bolsas, seleções nos concursos e aceitação de artigos em revistas científicas, o

intelectual é domesticado, seja de forma coercitiva, seja pelo interesse nas

recompensas em forma de publicação de artigos, financiamento de pesquisa, convite

para prestigosos eventos intelectuais. Russel Jacoby (1945 – vivo) disse que os últimos

intelectuais foram aqueles da geração que hoje seria centenária, porque no século XX a

instituição universitária os atraiu para os campi e os “matou”. Relativizemos o

argumento de autoridade.


Os pesquisadores domesticados

Estas e outras razões estimulam a submissão de pesquisadores ao viés de

confirmação da tendência dominante. Pesquisas feitas por bacharelandos como trabalho

de conclusão de cursos (TCC), dissertações de mestrandos e teses de doutorandos ou de

candidatos às vagas de professor titular são trabalhos feitos sob medida para agradar

examinadores. Até buscas na internet empreendidas, para que os examinandos saibam o

que os examinadores escreveram e direcionem o que dizem para agradá-los, viraram

rotina. Isso pode levar a submissão ao paradigma dominante e aos interesses mais

fortes.


Os mais diferentes grupos de pressão podem influenciar a produção e a

divulgação científica financiando pesquisa e desenvolvimento de projetos, promovendo


a divulgação favorável ou desfavorável de trabalhos ou, pelo contrário, bloqueando tudo

isso. Os citados grupos de pressão podem ter a natureza de interesse (i) pecuniário, (ii)

político/ideológico ou (iii) personalista. O exaurimento de recursos naturais finitos, uma

suposta hecatombe demográfica e mudança climática se relacionam com todos os tipos

de interesse citados. Devem, portanto, ser tratados com muito cuidado.


Antes de formar opinião devemos proceder ao um esforço de revisão da

literatura pertinente, promovendo o contraditório entre as correntes doutrinárias. Não

basta inteirar-se do que diz uma das correntes. Não vale o argumento de autoridade,

ainda que seja baseado no número de autores e publicações, afinal Galileu e Pasteur

lutavam sozinhos contra tudo e contra todos e estavam certos; nem devemos nos basear

nos títulos acadêmicos ou no lugar de fala, porque doutores, falando das mais

prestigiosas universidades, podem cometer erros grosseiros.


Tampouco devemos incorrer no erro da falácia da inferência imediata,

baseando-nos na nossa observação, que é limitada pelo alcance da nossa percepção e

que precisa ser analisada com o auxílio de instrumentos teóricos e metodológicos. A

observação empírica, sem amparo do rigor metódico e da vigilância epistemológica

tende ao erro. Quem simplesmente observa pode concluir que o sol gira em torno da

terra. A preocupação metodológica pode evitar muitos erros. A indução por exclusão,

que após afastar alguma hipótese considera não haver outra possibilidade além daquela

que o observador tem em mente, não é suficiente para o observador se sentir seguro de

suas conclusões e pode ser um dos erros em que incorremos quando nos afastamos do

rigor epistemológico.


O exaurimento de recursos naturais finitos

É obvio que a subtração continuada de um conjunto finito, seja ele qual for,

acabará por esgotá-lo. Não há discussão quanto a isso. O debate sobre o exaurimento de

recursos naturais não renováveis – e por isso finitos – diz respeito aos seguintes

aspectos:


(i) A subtração de recursos finitos os torna progressivamente escassos e

consequentemente mais caros. A elasticidade do preço, tanto da oferta como de parte da

demanda, entre em cena. Isso leva a contração da procura pelo bem tornado escasso,

diminuindo o ritmo da retirada de suas reservas.


(ii) A elevação do preço estimula o uso de bens alternativos, assim como a

busca e o desenvolvimento destes bens. As novas fontes de energia são exemplos disso:


os ventos, o sol, as biomassas, a energia nuclear, o hidrogênio verde e o azul, a energia

geotérmica e outras fontes possíveis das quais já se cogita, como a fissão nuclear (capaz

de suprir todas as necessidades de energia) afastam o fantasma do exaurimento dos

recursos energéticos. A natureza nos ensina uma lição que pode ser aplicada aos

recursos não renováveis: antes que o último casal de corujas localize, em uma certa

área, o último casal de ratos, as corujas terão emigrado, conforme a semelhança com a

opção por bens substitutos pelos consumidores, ou as corujas terão morrido de fome, de

modo comparável a morte de um ramo de negócio, como seria o fim da energia baseada

em hidrocarbonetos fósseis antes do esgotamento destes.


(iii) A busca de novas reservas do bem escasso se torna factível em razão

da elevação do preço. Assim tornou-se possível explorar petróleo sob o leito marinho,

sob águas profundas e muitos quilômetros de solo adentro, inclusive tendo de atravessar

camadas de sal que desgastam os instrumentos de perfuração e encarecem a pesquisa e a

exploração do ouro negro. Novas áreas já podem ser exploradas, como as do leito

marinho das regiões árticas. Assim o exaurimento dos bens não renováveis é adiado

enquanto novos bens substitutos são desenvolvidos e viabilizados economicamente, a

exemplo do que sucedeu com a energia dos ventos e de sol e a futura fissão nuclear.

(iv) A conservação dos bens escassos, obtida por meio do uso mais

eficiente também contribui para adiar o exaurimento enquanto se desenvolvem novas

fontes de bens alternativos. Assim é que o uso do transporte ferroviário mais eficiente

do ponto de vista energético do que o rodoviário e as aquavias, ainda mais eficientes do

que o modal ferroviário, oferecem a mesma contribuição até que chegue a fissão nuclear

ou outra fonte de energia para fins comerciais. Carros e eletrodomésticos mais

eficientes, bairros inteligentes que diminuem a necessidade de transporte de pessoas e

bens também são exemplos disso.


Casas dotadas de autonomia energética pelo uso de energia solar ou eólica

economizarão o cobre dos fios de transmissão da eletricidade produzida a distância.

Assim, outro recurso finito, o cobre, é economizado. O declínio das populações é outro

fator tendente a afastar o temor de um desastre da civilização pelo exaurimento dos

recursos não renováveis.

Fortaleza, 10/8/23.

Rui Martinho Rodrigues.

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