A RESILIÊNCIA DO ÓBVIO ENGANOSO
A polêmica entre empirismo e racionalismo é multimilenar e inconclusa.
Ambas as tradições têm alguns argumentos bons e fragilidades. Toda teoria tem alguma
aporia. Karl Raymond Popper (1902 – 1994) propôs como solução o racionalismo
crítico para superar o dogmatismo formalista do neopositivismo, empirismo lógico ou
princípio da verificação. Este tentava estabelecer conhecimentos definitivos somando as
falibilidades da razão e da observação.
A solução tentada por Popper substituiu o conceito de prova pela validade
transitória, enquanto uma nova verificação não chega para infirmá-la. É a concepção do
saber científico processual, sem escorregar para a logomaquia do relativismo, da
perspectividade e do contextualismo epistemológicos. Popper exige que as proposições
ofereçam algum ponto de apoio que possa ser submetido ao exame crítico, designando
tal exigência como falsificabilidade ou falseabilidade.
O senso comum é mais estável que a ciência. A Teoria Atômica adotou
quatro versões entre modelo de John Dalton (1766 – 1844), apresentado em 1808;
substituído em 1898 pela concepção de Joseph John Thomson (1846 – 1940); sucedido
em 1911 pela teoria apresentada por Ernest Rutherford (1871 – 1837); reformada em
1913 por Niels Henrik David Bohr (1885 – 1962). Isto é, em apenas cento e cinco anos
a ciência mudou quatro vezes a teoria atômica.
O senso comum, porém, demonstra grande estabilidade, sem que isso
signifique consistência. Ainda que as palavras e expressões não signifiquem adesão ao
empirismo ingênuo, o hábito triunfa sinalizando a facilidade de comunicação dada pelo
uso consagrado e amparado pela tradição. Aristarco (310/320 a. C. – 250/230 a. C.)
demonstrou que o sol era o centro do nosso sistema planetário. Cláudio Ptolomeu,
(70/100 – 168) assumiu a autoria do heliocentrismo, não sabemos se conhecia bem o
estudo da Aristarco, do qual só restaram algumas referências em obras de outros
pensadores. Mas decorridos vinte e quatro séculos continuamos dizendo que o sol se
levanta e se põe, óbvio enganoso, principal crítica do racionalismo ao empirismo.
Ciências da natureza, embora não tratem de finalidades, motivações,
paixões e interesses, têm dificuldade de compreender o mundo. Suas formulações são
instáveis, embora concebidas por autores geniais. Política, Direito e ciências que têm
por objeto a cultura enfrentam dificuldades muito maiores. Os conhecimentos por elas
formulados são ainda mais precários. Mas suas formulações são mais resilientes. Têm a
força do erro amparado na convicção. O viés de confirmação, a incomunicabilidade dos
paradigmas (Thomas Samuel Kuhn, 1922 – 1996) e o obstáculo epistemológico do
conhecimento anterior (Gaston Bachelard 1884 – 1962) são mais fortes quando o objeto
cognoscível e o sujeito cognoscente se deparam com interesses e paixões. As ciências
sociais tendem a prescrever algum tipo de dever, ao invés de descrever e explicar o que
a realidade é. Dever ser não se subordina a falseabilidade, ao princípio da validade
transitória e nem sequer ao verificacionismo. O dever ser convida à exibição de
virtudes, sem a reserva do possível ou a demonstração da viabilidade ou do sacrifício
necessário a sua realização. Os resíduos e derivações (Vilfredo Pareto, 1848 – 1923) do
pensamento medieval estimulam ideias supostamente virtuosas, favoráveis ao
farisaísmo. Demagogia é a arte de conduzir o povo, manipular e agradar. É como
Aristóteles (385 a.C – 323 a.C) via a decadência da democracia.
Fortaleza, 21/9/20.
Rui Martinho Rodrigues.