NOSSOS
COMERCIAIS, POR FAVOR
Num desses calendários de eventos -- de que há muitos por aí -- registra-se que o dia 10 de junho é o Dia da
Língua Portuguesa. Talvez fosse, digamos, mais “lucrativo” esquecer a Língua
nesse dia e cuidar melhor dela nos outros 364. Porque não é brincadeira a
quantidade dos erros que se veem por aí, sobretudo nos espaços que, ainda
quando grandes, abrigam pequeno número de palavras, como os outdoors, faixas, cartazes, murais e,
entre outros, os espaços publicitários em jornais, sem falar nos espaços da
mídia eletrônica (rádio, televisão, Internet).
I
À maneira de Carlos Drummond de Andrade,
no seu “Poema da Necessidade”, também conclamamos: É preciso salvar a Língua
Portuguesa.
II
Tenho ouvido comentários acerca dos erros
de ortografia que são vistos às dezenas em placas, letreiros e publicidade de
estabelecimentos comerciais, industriais, diversionais etc. Os erros garrafais,
de pé e meio, alastram-se por todos os espaços, meios e em todos os suportes,
mandando Camões e Bilac aos infernos, numa clara tentativa de mostrar que nem
só de buracos estão cheias as ruas das cidades ou as contas dos governos.
III
Vivemos comprando MIUDESAS com “S” e
EMFEITES com “M” no atacado e no AVAREIJO (sic).
Os TOCA DISCOS e TOCA FITAS nos vêm faltando os hifens. Só nos vendem
televisores A CORES (eu prefiro EM CORES
-- a imagem é melhor). Temos
depósitos FEICHADOS; a eletricidade vem a nós, trazendo o vosso reino, por meio
de fios de alta TENÇÃO. Anunciam BOLÇAS (com cê-cedilhado), o que é uma
barbaridade (melhor, uma “bolçalidade”).
IV
Nossa GAZOLINA já vem aditivada, com a
mistura de um novo elemento: um inescusável “Z”, que não modifica o preço do
combustível e é irmão gêmeo do que aparece em nossas UZINAS , como
se fosse a temível marca do Zorro, o “mocinho” de capa e espada.
Algumas de nossas casas noturnas teimam
em se assinar BOYTES, com um descabido “Y” ali, no meio, metidão... Ou seja:
nem a aportuguesada “boate” nem a francesa boîte,
únicas grafias admissíveis, têm vez. De alguma validade, mas sem nenhuma
melodia, são os CONCERTOS em “C” maior regidos por muitas oficinas em nossos
rádios, relógios e veículos. E o ENRROLAMENTO de motores, com dois “RR”,
demonstra que o trabalho é enrolado, mesmo. Também temos casas ESPECIALISADAS (com
“S”) em TÚMOLOS, JASIGOS e MAUSOLÉOS (e, de quebra, já ficamos sabendo onde
metade do idioma de Rui Barbosa foi enterrado).
V
Em uma exposição agropecuária vi, em
faixas e aos feixes, os inúmeros lapsos ortográficos, balouçando candidamente
acima do gado e um pouco abaixo do poeirão. De cara, a acolhida: “Sejam
BENVINDOS” (não sei os outros, mas eu não sou Benvindo). De costas, o convite:
“Venham ver a VAQUEIJADA” (talvez porque a vaca dá o leite e o leite dá o
queijo). Endereçado a uma autoridade, o pedido: “REALISE nossos sonhos,
LEGALISE nossas terras”. Está claro que, com “S”, só se realizam (só se
escrevem) sonhos e a legalização enfrenta um caminho mais tortuoso, pelo menos
gramaticalmente.
VI
“Assim também é demais”, lamentava-se
Sebastião Jorge no “Mirante”, antigo suplemento de O Imparcial; “é maltratar muito um Estado como o nosso que um dia
foi conhecido por ‘Atenas Brasileira’, tão rica a sua cultura e extraordinários
os seus ilustres personagens...” E o Bastião relembra: “Tínhamos a fama de
melhor falar o português, o que não deixara de ser um orgulho à nossa gente,
que procurava se esmerar na gramática para não escorregar, facilmente, em casca
de banana de que tanto falou o impiedoso crítico Agripino Grieco.”
VII
E haja casca de banana... E o que fazer
para evitar tamanhos deslizes? Dar o peixe ou ensinar a pescar? E de quem a
iniciativa, a preocupação, os cuidados? Existe um culpado?
Pedir mais cautela, mais tato... o
desasseio linguístico existe. Em todo lugar. Bebemos PITÚ e CARACÚ, sem que
elas percam o acento nem o gosto de bebidas, “pois se existe enorme burocracia
para o registro de uma marca de cachaça, não existe qualquer respeito e amor à
‘Última Flor do Lácio’” -- como bem observou o douto professor e
particular amigo Cid Teixeira de Abreu (in
memoriam). “Também pudera! -- continua ele --. Um povo que só se
preocupa em importar modismos, que usa roupa de veludo em nosso clima (é chic!), que canta música americana sem
saber traduzir uma palavra (é pop!),
não tem tempo de pensar nessas coisinhas do instrumento que ainda usa!”
VIII
Creio que às casas de pintura, às
agências de propaganda, aos birôs de comunicação cabem, em grande parte, a
responsabilidade pelo que é dito e escrito, a qualidade do que é exposto. Vamos
ver (e ouvir) até onde chega o cuidado com a Língua nos dizeres e falares das
faixas, cartazes, folhetos, murais, placas, tabuletas, letreiros, rodapés etc.
etc.
Alguém se conscientizará de que esse
cuidado também é necessário. Senão, só restará que um senhor de crescida barba
e longos cabelos brancos diga, na criação de outro mundo: “Que surja a Fala!” E
a Fala brotará dos lábios. E a Fala será divina, culta e bela. E essa Fala se
escreverá de “A” a “Z”. E a nova fala das divindades e dos homens será a Língua
Portuguesa.
Porque Deus é brasileiro.
Assim seja.
(Edmilson
Sanches, em 1979)
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