ERRO
OU MAQUIAVELISMO
O
deputado Márcio Moreira Alves (1936 – 2009) pronunciou um discurso agressivo
contra os militares, em 1968, que deflagrou uma crise cujo desfecho foi a
decretação do AI – 5. Anos depois um filho de um político que teve grande
protagonismo na crise de 1968, confidenciou-me que o propósito era mesmo fazer
com que os “gorilas” reagissem e se desmascarassem. A jogada fez mais do que
isso: rendeu uma imagem mista de heroísmo e de martírio aos autores. O outro
lado da moeda foi a imagem negativa dos militares que caíram na provocação. A
ser verdadeira esta versão foi uma cartada inteligente, embora sem muitos
escrúpulos. Maquiavélica? Filiada a uma ética teleológica? Certamente. Nicolau
Maquiavel (1469 – 1527) aconselhou aparentar virtude, sem necessariamente
precisar ser virtuoso.
Temos
visto sucessivas manifestações de apoio ao governo federal, nas últimas
semanas. Os críticos dizem que se trata de algo semelhante ao “queremismo” de
Getúlio Dorneles Vargas (1882 – 1954), movimento político de 1945, quando
manifestações estimuladas pelo palácio do Catete faziam parte de projeto
continuísta do caudilho. Pode ser. E governos não devem manipular
pronunciamentos populares, já que isso tanto lhes subtrai autenticidade como
legitimidade Registre-se, todavia, que as atuais demonstrações de apoio ao
governo, comportando em seu meio críticas aos “tripulantes” do STF e do
Congresso, têm sido pacíficas. Nelas não houve um carro arranhado ou flor
arrancada de um jardim. Surgiram agora grupos recrutados nas torcidas
organizadas. Tais grupos têm conduta agressiva. No Ceará até surgiu uma facção
criminosa a partir de uma dessas organizações. Seus integrantes não são
motivados pelo sentimento de responsabilidade cidadã. Facções criminosas, nas
eleições de 2018, ameaçavam os eleitores do atual presidente.
Isso
levanta a suspeita de que o crime organizado esteja se tornando um ator
político relevante. A conduta sugere uma prática mercenária, na medida em que
se trata de ação política supostamente preocupada com a defesa da democracia,
exercida por membros de organizações criminosas nem um pouco democráticas. O
recrutamento de mercenários, substituindo as forças de segurança, é um indício
grave de deturpação das práticas políticas. Resultado: pessoas agredidas,
vitrinas quebradas, depósitos de lixo incendiados. A violência contra
manifestações pacíficas é um sintoma preocupante. A crítica aos “tripulantes”
das instituições tem levado a ataques contra as próprias instituições, fato
igualmente preocupante, apesar da distinção possível entre a crítica aos
titulares dos cargos, aqui chamados “tripulantes”, não ser a mesma coisa que
ataque às instituições em si.
Aproveitar-se
disso para recorrer a mercenários perigosos contra manifestações pacíficas foi
o meio usado com sucesso para abafar as jornadas de junho de 2013. O Brasil
tolerou a violência naquela ocasião. Agora a cena se repete. Será uma
provocação semelhante a de 1968, para levar o adversário a sair dos limites
constitucionais? Caso seja, trará benefícios para o país? Não. Todos seremos
prejudicados. Apostar no pior é um grave erro. O sucesso na repressão às
manifestações pacíficas criará uma ordem baseada na violência. Depois alguns
poderão vestir a fantasia de vítima. Outros serão apontados como vilões, mas
poderão se defender dizendo que foram forçados a agir como agiram. A jogada
poderá custar muito caro para o Brasil e para os seus mentores.
Fortaleza,
1/6/20.
Rui
Martinho Rodrigues.
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